Os velhos políticos mineiros gostavam de frases de efeito. Essas raposas usavam enigmáticas metáforas. A imprevisibilidade da política mereceu comparação singular, histórica: “política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. Essa obra de arte da retórica é da lavra do ex-governador Magalhães Pinto.
Vamos deslocar essa reflexão para os dias de hoje. Tudo isso com foco na sucessão presidencial, que se aproxima a pleno vapor. Afinal, 2022 é logo ali. Já está na esquina do tempo. Até “ontem”, o processo transcorria placidamente. Mais parecia as margens do riacho Ipiranga, no instante solene do incerto grito de independência ou morte. “Meia dúzia” de quatro pré-candidatos ameaçava colocar os pés na estrada: Jair Bolsonaro, Lula da Silva, Ciro Gomes e o João Doria.
Nesse final de ano, dois episódios moveram as nuvens no céu da política tupiniquim. Primeiro, as desastradas prévias do PSDB. As “midiáticas” primárias demonstraram que o partido de FHC está mais para mico que tucano. E o resultado final foi óbvio ululante: deu Doria na cabeça. O tucanato encontra-se em frangalhos.
Outro efeito estufa foi a oficialização da candidatura do ex-juiz Sergio Fernando (é isso mesmo) Moro. O “grande líder” lavajatista aterrissou com tudo num terreno minado. E teve festa de anunciação. Na ocasião, o antigo togado fez apoteótico discurso vazio. Apresentou-se como autêntico herói da resistência. Prometeu ser o novo messias, enviado sabe-se lá por quem.
E, para completar a ópera bufa, lançou um precoce livro de memórias. O cara (como ele se julga), com apenas 49 anos de idade, já ousa transformar a sua incipiente vida numa “epopeia”. No tal “best seller”, nada se fala sobre a trajetória “magistral” do incompetente. É claro. Esse neomacunaima é a encarnação da mais fina flor do atropelamento ao devido processo legal. Além disso, foi um camelô das delações premiadas.
Mas, apesar de toda essa ironia, convém não dar sopa para o azar. Sergio Moro tem tudo para embaralhar o jogo da sucessão. E corre sério risco de pegar as chaves da porta principal do Palácio do Planalto, no final de 2022. Conto porquê. O ex-presidente Lula – conforme sondagens de distintos institutos de pesquisas – já está praticamente no segundo turno. Pode até definir a contenda no primeiro round.
O rei de Maringá, entretanto, entrou na corrida e já ultrapassou Ciro Gomes – o cearense paulista, que se especializou na arte de distribuir caneladas à direita e à esquerda (Bate em Bolsonaro e Lula com a mesma intensidade). Essa pancadaria a esmo tinha um objetivo prático: atrair a simpatia de radicais antipetistas e bolsonaristas desiludidos. A entrada de Moro no processo minou a estratégia de Gomes.
Mas, e agora, como fica a polarização Bolsonaro x Lula? Esqueça. Esse cenário não existe mais (mas não deixe de observar as nuvens). A vinda do novo messias, porém, não traz boas novas para o velho messias. Afinal, o dono da Lava Jato não rouba votos de Lula, que colhe centeios num campo à esquerda. A aventura morista tem tudo para fazer um estrago danado na unidade destra, o mar onde Bolsonaro navegava com relativa tranquilidade. Vale a pena observar atentamente o passeio das nuvens, repito. Há promessas de imprevisíveis e bruscos movimentos. Alea Jacta est.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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