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O fim do instituto da reeleição será a principal pauta de Brasília este ano

reeleição

Foto: © Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A reeleição é uma cultura do povo norte-americano. Esse mecanismo institucional faz parte do DNA da nação. O sistema funciona dessa forma desde 1776, ano da independência das 13 colônias da América. E tem outra importante tradição. Por lá, dificilmente um ocupante da “Casa Branca” deixa de ser reeleito. Em dois séculos, só dez presidentes não foram reconduzidos ao cargo máximo da nação. Nos últimos 50 anos, apenas três não se reelegeram: Jimmy Carter, George Bush e Donald Trump. Os políticos da terra de “Tio Sam” conservam um costume extraoficial peculiar. Quem disputa uma eleição presidencial e não se elege, não faz outra tentativa. E mais. Raríssimos ex-presidentes retornaram ao poder. Donald Trump – que concorrerá no pleito de novembro – poderá ser notável exceção.

No Brasil, as regras do jogo (formais e informais) são completamente diferentes. Um antigo morador do Palácio da Alvorada não encerra a carreira depois de descer a rampa do Planalto. O ex-“todo poderoso” costuma se transformar em governador, senador ou deputado.  Inclusive se elege prefeito de capital. E ainda há um quê extraordinário nessa história. A “Terra de Santa Cruz” não tinha o hábito de dois mandatos consecutivos para cargos majoritários. A história é avalista dessa constatação. A função de chefe do Executivo sempre foi samba de uma nota só, desde o advento da República, em novembro de 1889. Certos atores da política até voltaram ao posto maior do país, porém, não em sequência.  

Determinados exemplos são marcantes. Getúlio Vargas foi ditador por 15 anos (1930 a 1945). O velho caudilho foi escorraçado do Palácio do Catete, mas retornou ao poder – “nos braços do povo”- nas eleições livres e diretas de 1950. O golpe militar de 1964 enfiou cinco ditadores goela abaixo da população: marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1964 a 1967), marechal Artur Costa e Silva (1967 a 1969), general Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974), general Ernesto Geisel ((1974 a 1979) e general João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979 a 1985). Os fardados cumpriram a missão e saíram de cena. Costa e Silva sofreu um AVC fulminante e morreu na metade da gestão.  

Médici era sinônimo de atrocidades. Ele encarnava o típico autocrata de republiqueta de bananas. O sujeito, todavia, apresentou proezas relevantes para a “distinta plateia”. Em seu período, o país registrou crescimento de 14%, ao ano, um dos maiores índices do planeta. Havia pleno emprego na paisagem verde/amarela. A inflação anual se manteve em média na casa de 15%. Era o apogeu do chamado “Milagre Econômico”. Na reta final, o establishment se movimentou para forçar a manutenção de Garrastazu no poder. O general recusou a “honrosa oferta”, deixou a capital federal e mergulhou no ostracismo. 

Veio a redemocratização. Tudo continuava como sempre foi, até que Fernando Henrique Cardoso resolveu se perpetuar no terceiro andar do Palácio do Planalto. O “príncipe dos sociólogos” imaginou que seria uma boa ideia (principalmente para ele) a implantação do instituto da reeleição. E a coisa já nasceu malcheirosa. Vários deputados receberam propina para votarem favoravelmente à emenda da reeleição (PEC 16/1997). Os parlamentares Ronivon Santiago e João Maia (ambos do Acre) embolsaram R$ 200 mil em dinheiro vivo para o “nobre fim”. Em seguida, abriram a matraca e contaram tudo para o jornal “Folha de São Paulo”. O escândalo não deu em nada. A tentativa de abertura de uma CPI para apurar a mutreta foi para o vinagre.

A reeleição é uma realidade brasileira há 27 anos. A maioria dos presidentes dessa era conseguiu um duplo mandato: FHC, Lula e Dilma.  O “mito” foi a única nota fora do tom. O morador do “Condomínio Vivendas da Barra” foi derrotado por dois adversários implacáveis: Luiz Inácio Lula da Silva e a indomável língua de Jair Messias Bolsonaro. A realidade demonstra que a reeleição não caiu no gosto popular. Tanto que está com os dias contados. O modelo deve morrer de morte natural ainda este ano. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC12/2022) – de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB/GO) – colocará um ponto final nessa aventura trôpega. A PEC também prevê a ampliação dos mandatos de quatro para cinco anos. Essa medida só entrará em vigor no processo eleitoral de 2030. Em outras palavras, o presidente Lula e os governadores eleitos pela primeira vez, em 2022, poderão tentar mais um mandato, em 2026.  

A PEC 12/2022 já se encontra em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Kajuru espera pela sua aprovação até outubro desse ano. Para isso, a iniciativa necessitará do apoio de 49 senadores. O Senado é formado por 81 representantes dos estados federativos. Em seguida, o dispositivo será encaminhado à Câmara, onde precisará dos votos de 308 deputados. A casa Legislativa tem  513 parlamentares. A “inovação” conta com a simpatia de petistas e bolsonaristas. Afinal, Lula e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), por exemplo, não serão atingidos pela matéria. A reeleição, então, será mais uma página virada na história tupiniquim. 

PS: Franklin Delano Roosevelt foi o político que ocupou por mais tempo o cargo de presidente dos Estados Unidos. Roosevelt foi chefe do Executivo americano em quatro mandatos (1933 a 1945). Ele é um dos heróis da Segunda Guerra Mundial e morreu na “Casa Branca”, em 1945.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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