O ex-prefeito Daniel Jardim de Grisolia — popular DG — é referência clássica da história de Itabira. A sua trajetória de vida se transformou numa peça mitológica. Daniel pode ser definido como líder populista carismático. Mas não apenas isso. Era visionário por excelência. Enxergava 200 km adiante do próprio nariz. Via o futuro além das montanhas. Um ser exótico. A sua postura humana infringia os padrões de “bom comportamento” das elites, embora fosse um genuíno membro desse segmento social. DG jogava no extremo das excentricidades.
Na década de 1960, abriu um “badalado” bar na rua Tiradentes. Foi o começo de uma autêntica saga. “O Sputnik” se transformou num “point” de encontro para pessoas de todos os matizes socioeconômicos e culturais. A popularização do estabelecimento teve importante consequência. Despertou a veia política desse irrequieto itabirano. No momento oportuno, Grisolia saiu do boteco e entrou na Câmara de Vereadores. Ainda era muito jovem. Contava apenas 27 anos de idade.
O passo para o paço municipal foi um previsível caminhar. Derrotou velhas raposas e assumiu o comando da pólis com apenas 34 anos. Foi (e ainda é) o mais jovem chefe do Executivo de Itabira, em todos os tempos. A conquista da Prefeitura marca o início da “grisolíada”. O sujeito cumpriu integralmente quase dois mandatos. O segundo foi tragicamente interrompido. O enredo só não foi uma epopeia porque esse improvável herói urbano perdeu no final das contas.
Como definir a gênese da incrível popularidade de Daniel? A resposta é simples. Misturem-se — num mesmo caldeirão — carisma, ousadia, coragem, irresponsabilidade e excessiva cara de pau. A todos esses ingredientes acrescente a predileção pelo inusitado. Essa personagem revolucionou a infraestrutura de Itabira. E com um quê relevante. Os cofres públicos não tinham o mesmo recheio de hoje. A CFEM [Compensação Financeira pela Exploração Mineral] ainda nem era sonho de uma noite de verão.
Mas Daniel jamais deixou de ser Daniel: bonachão, bem-humorado, descontraído e extremamente amalucado. Bebia, e muito, em todos os lugares. Encharcava-se nos chiques restaurantes da região central e nas “biroscas” da periferia com a mesma desenvoltura. Foi também um benemérito frequentador dos tradicionais “puteiros” da terra do Poeta modernista. No Carnaval, o ponto fora da curva alcançava o limite do admissível. Em algumas oportunidades, DG se fantasiava de baiana. Em outras ocasiões, amarrava à cintura uma corda com uma coleção de penicos. Com essa parafernália, subia e descia a rua Santana inúmeras vezes. A “penicada” provocava um ruído ensurdecedor. Dá até para imaginar a intensidade do caos sonoro.
As atitudes e costumes de Daniel de Grisolia revelam um líder popular carismático. Há outro político com essa característica, na história de Itabira? Claro que não. Jairo Magalhães era espirituoso e tinha raciocínio rápido. Demolia adversários com uma retórica irônica e ácida. Olímpio Pires Guerra (o Li) era dono de um sorriso cativante, mas não passava disso. Li não era chegado a exageros comportamentais. Jackson Tavares tinha (ou ainda tem) inigualável oratória progressista. Mas não agia fora das “quatro linhas” do bom- senso. Luiz Menezes foi quem mais se aproximou do estilo grisoliano. “Sô Luiz” era um homem de acentuado carisma. Com o seu peculiar rotacismo linguístico (sempre trocava o L pelo R na fala) procurava imitar a linguagem do povo.
Um fator, porém, diferenciava Grisolia desses senhores. Eles, sem exceção, não conseguiriam sair por aí caracterizados de odaliscas apaixonadas. Também não passeariam pelas ruas em cima do capô de um automóvel. Se tentassem esses malabarismos estéticos sofreriam impiedoso massacre da população. Provavelmente seriam recolhidos a um manicômio. Uma performance bizarra — absolutamente natural para Daniel — seria um escândalo para outros atores da vida pública.
Uma coisa é certa. A sociedade não molda líderes com o perfil de DG. O cidadão nasce com o dom. Não adianta forçar a barra. Qualquer incursão indevida nesse circo sociopolítico pode significar um flerte com o ridículo. O talento de líder popular carismático é natural, assim como a habilidade de um craque do futebol. A aptidão está inserida no DNA do atleta. É impossível transformar notório perna de pau num Neymar (apesar de tudo). Enfim, preciosidades como Grisolia só dão uma safra.
PS.: A história da América Latina produziu dois incontestáveis líderes carismáticos: o brasileiro Getúlio Vargas (GV) e o argentino Juan Domingo Perón. Daniel de Grisolia foi mais excêntrico que os dois caudilhos. DG, porém, teve um ponto em comum com GV: a coragem extrema.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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