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O prefeito pode escolher, mas não pode esquecer

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As redes sociais, noticiários e até botecos foram tomados recentemente pela discussão sobre a utilização de dinheiro público para pagamento de significativas quantias a renomados cantores brasileiros. E o pior de tudo, em cidades pequenas e cheias de problemas básicos a ser resolvidos.

 

Quanto à Lei Rouanet, nem de opinar gosto! Mas posso tranquilamente falar sobre contratações públicas, porque esse assunto faz parte do meu dia a dia profissional. A lei de licitação, por si só, não permite um melhor controle do dinheiro público, pois não é a mesma lei que possibilita fazer contratações, a mais eficaz para fiscalizar e controlar os gastos. 

Citando as polêmicas de Gusttavo Lima, registro aqui apenas um exemplo: a pequena Teolândia, no interior da Bahia, uma cidadezinha com pouco mais de 15 mil habitantes, teria pago o cachê de R$ 704 mil para apenas uma apresentação do cantor. 

Arrasado pela chuva em janeiro, o município de Teolândia arcou com um valor milionário para o show do cantor Gusttavo Lima. Foto: PTN News/Reprodução

Sem me aprofundar nos dispositivos legais, afirmo que é possível contratar artistas consagrados, sem necessidade de um processo de licitação. E, mesmo “dentro da lei”, pode-se “forrozear” usando o dinheiro público, embora isso não retire o caráter de ilicitude. Ou seja, mesmo dentro da lei, consegue-se estar fora dela. Antagônico, né? 

Mas é isso mesmo! Até na esfera privada existem limites para o titular de um determinado direito exercê-lo, o que se dirá na esfera pública, que é norteada por princípios como legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade e muitos outros, todos vinculados à busca do interesse da coletividade. 

É inquestionável que artistas vivam de cachês e, estando amparados pela legislação que regula a iniciativa privada, podem cobrar preços milionários pelas suas apresentações. 

Agora, não há dúvidas: um gestor público, ao exercer a escolha discricionária de uma contratação, deve levar em conta, de modo estrito, os princípios que sustentam toda legislação: finalidade, moralidade administrativa, eficiência, motivação, transparência, impessoalidade e muitos outros, que completariam essa lista.

Volto à pequena Teolândia, que se tornou um excelente exemplo. Há poucos meses, essa cidade foi arrasada por enchentes. O temporal deixou desabrigados e vias destruídas. Ainda assim, a Prefeitura local contratou uma apresentação artística, cujo valor resolveria boa parte dos problemas provocados pela catástrofe da natureza. A calamidade seria uma verdadeira justificativa para se gastar R$ 700 mil reais, uma motivação bem mais fácil de se explicar. 

Resumindo: essa tal discricionariedade, que dá margem a quem gere os recursos públicos de escolher com o que se gastar, deve ser exercida levando-se em conta a oportunidade e conveniência de se praticar ou não um ato. 

Ora! O gestor público tem o dever, ao fazer ou não uma contratação, de observar se tal ação é moral, razoável e proporcional. Se cumprirá sua finalidade. Se foi transparente e impessoal, ou seja, se está prioritariamente agindo de acordo com o interesse público e não dispondo dele. O prefeito pode escolher, mas não pode esquecer de vincular sua decisão ao que mais interesse à população.

Gustavo Milânio é advogado. O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa necessariamente a opinião da DeFato.

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