Encontros e desencontros. Uma definição sucinta do último debate da eleição presidencial. E não apenas isso. Num dado momento, praticamente passou despercebido um inesperado diálogo entre Bolsonaro e Lula. Os dois oponentes fizeram ligeira menção à composição do Supremo Tribunal Federal (STF). “Depois da minha eleição, indico mais dois ministros para o Supremo, mas o PT ainda vai continuar com uma maioria de 5 a 4”, comentou o candidato presidente.
Na Corte, hoje em dia, existem sete togados escolhidos por Lula e Dilma Rousseff. O presidente Jair Bolsonaro apontou dois. O decano Gilmar Mendes ainda é da lavra de Fernando Henrique Cardoso e Alexandre de Moraes foi um palpite de Michel Temer. O sutil comentário do chefe do Executivo tocou num ponto delicado: as possíveis preferências políticas dos membros do STF.
Antigamente- num tempo nem tão distante- esses senhores (e senhoras) pareciam representantes de tucanos e “companheiros”. A polarização era outra. Na configuração de hoje, os petistas teriam uma vantagem de 7a2 sobre os bolsonaristas. No ano que vem, caso reeleito, Jair selecionará dois magistrados para as vagas de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Ainda asssim, os petistas manteriam uma vantagem de 5 a 4. Caso dê Lula nas urnas, essa goleada alcançará o estratosférico placar de 7a2.
E, como se vê, é muito estranha a formatação da Corte maior do bananal: os juízes são designação do governante de plantão. Mas, claro, a escolha só é confirmada depois de protocolar sabatina no Senado. Na história do Brasil, apenas um candidato levou bomba nessa avaliação fictícia: um médico sugerido pelo presidente Floriano Peixoto – o Marcehal de Ferro. Na República Velha, não era necessária a formação em Direito para o acesso ao cargo de ministro do Supremo Tribunal.
O sistema de seleção escancara uma aberração: a clara interveniência de um poder em outro, mas funciona assim desde sempre. Essa estranheza institucional não é privilégio de Pindorama. Nos Estados Unidos, a recomendação para a ocupação de uma vaga na Corte também é prerrogativa do presidente da República. Há, porém, uma diferença fundamental em relação ao Brasil. Aqui, o juiz da terceira instância permanece na função até completar 75 anos. Nos EUA, o cargo é vitalício. O ungido só perde o emprego por morte ou impedimento legal.
Observem a dinâmica de mais alguns países:
Espanha: os 12 membros do Tribunal são nomeados por meio de decreto real. Quatro juízes são indicados pelo Congresso, quatro pelo Senado, dois pelo governo e dois pelo Conselho Geral do Judiciário. Apenas cidadãos espanhóis, com mais de 15 anos de experiência profissional na área jurídica, podem exercer a função.
França: dos nove membros do Conselho Constitucional, da terra de Napoleão, três são indicados pelo presidente da República, três pelo presidente da Assembleia Nacional e três pelo presidente do Senado. Um terço dos assentos é renovado a cada três anos. Ex-presidentes integram a Corte como membros natos vitalícios.
Portugal: Na pátria de Camões, os dez integrantes do Tribunal são eleitos pela Assembleia da República e três são escolhidos pela própria Corte. Os 13 membros têm mandatos de nove anos, sem reeleição. Ao menos seis são escolhidos entre juízes de outros tribunais. As nomeações restantes são de juristas.
Itália: A Corte Italiana possui 15 membros. Cinco deles são indicados pelo presidente, cinco pelo parlamento e outros cinco pelas cortes superiores. Cada um cumpre mandato de nove anos e não é permitida a reeleição. Esses Integrantes devem ter, no mínimo, 25 anos de exercício profissional.
Então, formei uma convicção: a metodologia europeia é bem mais salutar que os exemplos do Brasil e Estados Unidos. Nas bandas de cá, fica muito patente uma situação freudiana: o preferido do mandatário maior do país fica subliminarmente grato ao seu benfeitor. Na maioria das vezes, os meritíssimos instintivamente defendem os interesses dos seus padrinhos. Essa anomalia é muito clara. O comportamento parcial do afilhado até é compreensível, em determinadas circunstâncias. Faz parte das contradições humanas. Afinal, noves fora a Constituição, a gratidão normalmente fala mais alto.
PS: confira quem indicou quem para o STF:
FHC: Gilmar Mendes
Lula: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
Dilma Rousseff: Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin
Michel Temer: Alexandre de Moraes
Bolsonaro: André Mendonça e Kassio Nunes Marques