Reportagem veiculada na edição 79 do Jornal DeFato Cidades Mineradoras
De acordo com dados do último censo escolar do Inep, desde março de 2020 cerca de 6,2 milhões de estudantes deixaram de frequentar as atividades presenciais nos inúmeros centros de ensino superior, espalhados pelo Brasil. A medida se deu como forma de prevenção à contaminação do novo coronavírus.
Diante desta nova realidade, diversos discentes tiveram que se adaptar, não somente a um novo estilo de vida – frente as necessidades impostas pela Covid-19 -, mas, principalmente, ao novo jeito de aprender. Assim, os modelos de ensino precisaram ser reinventados.
Apesar de já estarmos vivendo em situação pandêmica há quase um ano, dificilmente poderemos dizer que os alunos já se adaptaram a este novo mundo. É um processo cansativo e complicado, em especial, para aqueles que necessitam de aulas teórica e práticas.
A estudante de artes cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Tainara Martins, foi uma das milhares de pessoas que precisaram se reinventar em 2020. Pega de surpresa, como muitos brasileiros, a estudante precisou lidar com sobrecarga, os problemas com internet e o pior, a falta de ação em um curso onde o contato é primordial.
“Quando voltei pra minha cidade, eu não tinha acesso a wi-fi e isso me prejudicou muito. Fiquei mais ansiosa e preocupada com a minha graduação. Foi algo totalmente novo para alunos e professores. Felizmente, notei muito empenho e dedicação por parte dos meus docentes. Mas, houve uma sobrecarga de tarefas que julgo desnecessária. Claro que foi tudo se moldando no decorrer dos meses e aprendemos a gerir melhor o tempo. Ainda é difícil, pois faço um curso que precisa de prática, de presença, de troca e de sensibilidade. Tudo isso fica comprometido com o ensino à distância”, contou Tainara.
As diferentes realidades educacionais, sociais e econômicas do Brasil são, por si só, um grande desafio, mesmo em períodos não emergenciais. A pandemia nos fez enxergar um cenário ainda mais provocador e que precisa ser analisado detalhada e aprofundadamente.
Outras perspectivas
O estudante de jornalismo da Ufop, Gabriel Luis, conta que teve que lidar com mudanças físicas também, como voltar para a cidade onde residia, antes da graduação. “Eu percebi que não teria mais como me manter em Mariana. A entrada da pandemia nos privaria de ter alguns benefícios que a universidade oferta como, por exemplo, refeições do Restaurante Universitário (RU)”, desabafou.
Gabriel também relatou sentir que o curso foi afetado. Segundo ele, conversas, discussões e análises eram coisas muito bem trabalhadas dentro de sala de aula. “A falta de atividades práticas afeta muito, principalmente para nós que entramos agora na rotina de redação, revista e jornal impresso. Algo importante e que acabamos fazendo de forma remota, então nos assusta. Além disso, no curso de jornalismo, pelo menos no da Ufop, os professores buscam propor debates e discussões entre os alunos. Fortalecer a argumentação. A socialização também é algo que ajuda a moldar o aluno. E isso se perdeu com este modelo on-line”, descreve.
Contato físico
A socialização também é um ponto crucial para Brian Duarte, graduando em educação física pela Universidade Estácio. Ele ressalta que sente que o curso rendia muito mais quando exercido em um ambiente adequado. “Para mim, que estou indo para o último ano do curso, a falta de socialização tem sido uma coisa muito difícil de lidar. Não sinto que o curso está se encaminhando tão bem quanto no presencial”, ponderou.
Além da falta das aulas práticas, há também a saudade da rotina, do ambiente e das pessoas. Segundo a estudante de Letras Talita Ferraz esse sentimento tem sido um dos fatores difíceis para ela. “Passar horas na frente do computador me dá enxaqueca. Então, o ensino remoto deixou a minha rotina mais cansativa”, disse.
Empática, Talita informou que sente que a falta de atividades práticas não vai afetá-la no momento, pois felizmente teve a oportunidade de estagiar antes da pandemia. Todavia, se preocupa com os colegas de curso. “Acredito que os alunos mais novos da grade de licenciatura serão prejudicados, pois a sala de aula é uma experiência única”, relatou.
Diferente de Talita, a estudante de engenharia química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bárbara Cristacemos, não teve a mesma sorte. Ela teme que os professores estejam correndo com as aulas. “Eu sinto que as coisas estão indo rápido demais e que estou perdendo muito da prática. Sem falar na perda das iniciações científicas que são atividades extracurriculares que nos preparam melhor. Temo estar perdendo muito do que pode ser importante em meu futuro”, lamenta.
Mudança de Planos
2020 foi um ano em que muitas pessoas precisaram adaptar os sonhos. Os universitários tiveram que aceitar que a graduação atrasaria um pouco, que a sonhada formatura não seria como planejada. “Era para eu ter me formado no ano passado, mas a pandemia adiou tudo. Por exemplo, passei em um concurso público da minha cidade e não pude assumir a vaga por ainda não ter o diploma em mãos”, confidenciou Talita.
Para Tainara, as mudanças aconteceram gradativamente. “No começo foi muito difícil. Mas, confesso que hoje, não mais. Toda a cobrança em cima de mim mesma, eu consegui deixar para trás. Sei que cada um tem seu tempo e forma de encarar as coisas. Eu desacelerei drasticamente e, agora, estou bem com isso, mas sei que é um privilégio meu e não a realidade de todos”, considerou.