Matéria publicada no Jornal DeFato, de abril
Os pacientes crônicos respiratórios têm, este ano, um problema a mais para se preocupar. A pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, pode provocar complicações potencialmente fatais a essespúblico. A poluição do ar, que causa mais de sete milhões de mortes por ano e é um fato notável em cidades mineradoras, como Itabira, pode piorar as doenças crônicas que deixam os pacientes fracos diante de uma infecção por Sars-Cov-2.
Em Itabira, é alto o número de crianças, adolescentes e adultos com doenças respiratórias. O problema se agrava, principalmente, pela poluição do ar provocada pela atividade minerária. A Vale opera na cidade desde 1942, com minas praticamente dentro da cidade, que provocam grande emissão de material particulado para a atmosfera através das mais variadas atividades, da detonação ao carregamento do material extraído.
Com a chegada do novo coronavírus, capaz de levar à insuficiência respiratória, até mesmo o Ministério Público de Itabira demonstrou preocupação com a qualidade do ar. A promotoria emitiu, recentemente, uma recomendação à Vale para que os sistemas de medição da mineradora deixem de ignorar as partículas respiráveis (PM 2,5), um tipo de material mais danoso à saúde e passe a constá-la em seus relatórios, que atualmente só informam sobe as partículas de maior diâmetro, como o MP10 e as Partículas Totais em Suspensão (PTS).
Estudo publicados no início dos anos 2000, por cientistas de universidades brasileiras, com base em atendimentos no Pronto-Socorro de Itabira, apontam que pelo menos 5% dos casos de doenças respiratórias em crianças com até 13 anos estão relacionadas com a poluição do ar por material particulado. Entre adolescentes, o índice chega a 10%, o que demonstra um agravamento de quadro com o passar dos anos.
Problema crônico
Há 19 anos, o Respirai – Reorganização do Serviço Público de Itabira e Referência na Asma na Infância – monitora crianças e adolescentes, de 6 meses a 19 anos, com a doença. O projeto é desenvolvido pelos pediatras Wenderson Andrade e Jaques Varela. Em 19 anos, 4.636 pacientes passaram pelo Respirai. Desde 2014, o projeto atende também a população dos municípios que integram o Cismepi.
O objetivo do programa é fazer o controle das crianças que têm asma como doença principal. No entanto, a maioria dessas crianças também têm doenças alérgicas, como rinite, por exemplo. “É um trabalho constante de verificação de como o paciente está entendendo o manejo do espaçador, como está sua via inalatória, seu equipamento e o entendimento do ambiente”, explicou o mestre e doutor em Pediatria pela UFMG, e coordenador do Respirai, Wenderson Andrade.
As inversões térmicas, ou seja, mudanças bruscas de temperatura também interferem na saúde dos pacientes crônicos respiratórios. “É normal que nessa época do ano as pessoas fiquem mais suscetíveis a ter resfriados, gripes. O vírus é um fator desencadeador da crise asmática. Se a criança não tem a doença controlada, ela tem uma crise importante e acaba no Pronto-Socorro”, ponderou o pediatra.
Ele expõe que dois anos após o início do trabalho desenvolvido pelo Respirai, foi perceptível a queda nas consultas de urgência por crise de asma, bem como as internações por pneumonia. Esse resultado motivou Wenderson Andrade a realizar um estudo em cima desses dados para sua dissertação de mestrado. “Conseguimos provar que o programa tinha efetividade”, destacou.
A pandemia provocada pelo Covid-19 preocupa o pediatra e pais das crianças atendidas pelo Respirai. “O pulmão do asmático já é inflamado. A asma é uma doença inflamatória. Então, o pulmão fica sempre na defensiva. E qualquer vírus que chega, para ele é um desastre”, explicou o coordenador do programa.
O atual surto de doença viral causada pelo Sars-Cov-2 tem gerado preocupação e dúvidas nos portadores de asma, especialmente em relação à continuidade ou não do tratamento. “Os pacientes não podem deixar de usar a terapia inalatória que eles usam. É uma dose baixa, que chega a ser até 10 vezes menor que a dose oral, mas que consegue controlar a doença pelo fato do remédio ser inalado. Os pacientes também não devem, de jeito nenhum, diminuir a dose por conta própria. Não é o momento de mexer no tratamento”, destacou.
Larissa Bárbara da Penha, 23 anos, é asmática e há cerca de 10 anos faz o acompanhamento no Respirai. “Minha vida mudou bastante com o tratamento adequado e monitoramento. Agora minha asma está controlada, mas, antes, era muito difícil, tinha crises e ia parar no Pronto-Socorro”, contou.
Reestruturação da rede de saúde
Itabira está otimizando todo o sistema de saúde para demanda de casos de Covid-19. Várias ações estão em andamento. Diversos EPIs foram adquiridos e 10 mil testes rápidos comprados pela Prefeitura.
Em um cenário emergencial de saúde pública, o peso de ser um polo regional pesa sobre as costas de Itabira. O município possui hoje 127 leitos, entre UTIs e enfermarias, para atender toda região.
Qualidade do ar
Após acordos ambientais entre o município e Vale, foi implantada em Itabira uma Rede Automática de Monitoramento da Qualidade do Ar. O nível de poluição do ar é medido por quatro estações de monitoramento que funcionam em pontos estratégicos da área urbana e são operadas por uma estação terceirizada da própria mineradora.
Os dados coletados pelas estações a cada hora são recebidos simultaneamente pela Vale, Secretaria de Meio Ambiente, Conselho Municipal (Codema) e Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam).
“Além das estações, a Vale realiza, rotineiramente, em suas operações, atividades de controle de poeira, como aspersão de água nas frentes de lavra ativas, nas vias das minas e nas pilhas de homogeneização e de produtos. Como parte dessas ações, há controle de velocidade nas estradas de acesso às minas e revegetação de taludes e áreas expostas para minimizar a produção de poeira”, informou a mineradora.