Poluição em Itabira: Vereadores isolam Vetão e professora e saem em defesa da Vale
Boa parte dos parlamentares poupou mineradora de críticas quanto à qualidade do ar itabirano
Como detalhado anteriormente por matérias da DeFato Online, a professora da Unifei Ana Carolina Freitas compareceu à Câmara dos Vereadores para apresentar dados sobre a poluição atmosférica causada, principalmente, pelas atividades mineradoras em Itabira. E embora a apresentação tenha ganhado elogios, grande parte dos parlamentares saiu em defesa da Vale, principal empresa do ramo no município.
Rodrigo Alexandre Assis “Diguerê” (PTB), Luciano Gonçalves dos Reis “Sobrinho” (MDB), Marcelino Freitas Guedes (PSB) e Carlos Henrique de Oliveira (PDT) – esses dois últimos trabalhadores da empresa – foram alguns dos fiéis escudeiros da mineradora. Coincidência ou não, um dia antes representantes da Vale se reuniram com esses e outros parlamentares para, entre outras coisas, apresentar algumas ações de contrapartida ambiental promovidas em Itabira.
O encontro foi criticado por Weverton Leandro Santos Andrade “Vetão” (PSB), responsável pelo convite à professora Ana Carolina. O pessebista disse não ter sido convidado para a conversa – algo que ele mesmo desmentiria depois – e exigiu uma discussão aberta com a população. Vetão ainda criticou o que considera uma “paixonite” dos seus colegas pela Vale.
“Primeiramente, gostaria de pedir que a paixonite pela mineradora seja deixada um pouco de lado. E que nós possamos agora pensar em todo itabirano e itabirana que respira esse ar, principalmente nós. A mineradora tem sua importância no município, sua história se confunde com a história da nossa cidade. Mas como foi dito aqui no final, por que ela pode utilizar um modelo desse no Canadá e na nossa cidade, que é o berço dela, não se dá esse tratamento? Pelo contrário, pede a flexibilização e vem à Casa, em uma reunião às escuras, querer discutir com os vereadores. Eu não fui, e estou esperando a Vale na audiência pública que aprovamos agora. A discussão com a mineradora não será feita em salas fechadas, quero discutir com a mineradora abertamente, com a população podendo participar”.
Vetão também levantou suspeitas sobre o monitoramento da qualidade do ar realizado pela Vale e que serve como base para o trabalho desenvolvido por Ana Carolina Freitas no ItabirAR. Trata-se de uma condicionante imposta à empresa, por ela ser a principal poluidora de Itabira.
“As informações recebidas por esse monitoramento são feitas pela própria mineradora. Será que esses números tem credibilidade? Será que a própria empresa, que é autuada e fiscalizada… tem condições da gente falar que esses números são realmente verdadeiros? Fica aqui o questionamento e a solicitação de que o município possa acampar esse monitoramento. A gente sabe dos custos, mas acredito que torna o processo com muito mais credibilidade”.
A postura agressiva do ex-presidente da Câmara é uma novidade na Casa. Mesmo quando houve a votação de três moções de aplausos à Vale nos últimos anos, Vetão nunca direcionou críticas à empresa. O único parlamentar contrário às homenagens foi Júlio do Combem (PP), que ficou calado durante as discussões de terça-feira.
Contra-ataque de peso
O primeiro vereador a sair em defesa da Vale foi Rodrigo Diguerê. Após fazer inúmeras perguntas – de difíceis respostas – para Ana Carolina, o petebista enumerou os efeitos positivos da atuação da mineradora em Itabira.
“Embora não seja sua intenção, existem aqui algumas questões políticas divergentes em relação ao entendimento sobre a mineradora. E estou aqui saindo em defesa porque, pelo que estudei, ela não causa isso sozinha. Entendo que para apontar o dedo, definir quem é que está causando o problema, nós – estudiosos, ente público e sociedade – temos que saber com exatidão, com material científico, quanto cada atividade poluidora contribui para que esse índice prejudique a população ou não. Ela com certeza é uma. Mas além dela causar poluição, gera emprego, renda e movimenta o município”.
Funcionário da Vale, Carlos Henrique de Oliveira assumiu o voto contrário à presença da professora na Câmara, e se juntou a Diguerê no time dos defensores da Vale.
“Quando votamos o requerimento, votei contrário, porque entendia que uma audiência pública onde estivessem as partes interessadas era viável. Eu sabia que iria criar esse conflito entre vereadores, entre a população, onde só uma empresa seria alvo diretamente da poluição, o que a gente sabe que não é”.
O vereador ainda rebateu o discurso de Vetão, e negou que seja um “apaixonado” pela empresa, e sim um defensor dos seus colaboradores. “O que estamos acompanhando aqui, me dá a impressão que é um palanque político. Porque quando o vereador inicia sua fala, ele diz ‘apaixonados’. Não tem ninguém apaixonado pela empresa, então eu acho que ele foi muito infeliz. A gente tem que sentar com a empresa mineradora, com a Prefeitura e entender quais instrumentos podemos usar para melhorar ainda mais a qualidade do ar no nosso município. Vai falar assim ‘ah, ele é funcionário da Vale’. Sou funcionário da Vale e sou diretor sindical, defendo o interesse do trabalhador da mineradora, antes de qualquer coisa”.
Outro a trabalhar na Vale, Marcelino Guedes chegou a confundir as realidades canadense e brasileira na tentativa de defender a marca. O pessebista perguntou a Ana Carolina se ela realmente disse que a poluição em Itabira estava diminuindo, quando, na verdade, a professora havia falado sobre a cidade de Sudbury, case de sucesso da mineração sustentável.
Por fim, Luciano Sobrinho foi outro a destacar os impactos positivos da mineração em Itabira. No entanto, o emedebista também citou a falta de projetos de diversificação econômica que reduzissem a dependência do município com a Vale.
“A gente entende que a Vale, de fato, tem uma parcela grande de culpa. Mas não pode ser imputada toda a culpa à empresa, uma empresa que gera empregos na nossa cidade. Governos anteriores não fizeram nada, ou fizeram muito pouco, para que essa poluição diminuísse. Governos anteriores não trouxeram novos investimentos, diversificaram a economia da cidade, como esse Governo também que chegou aqui prometendo fazer a tão sonhada diversificação econômica e não fez. Então é muito fácil as pessoas ficarem jogando pedra em uma empresa como a Vale”.
Sem citar o nome de Vetão, Luciano também o aconselhou a “ser vereador no Canadá”. Momentos antes, o ex-presidente do Legislativo cobrou da Vale os mesmos projetos de melhoria do ar feitos por ela em Sudbury.
“Não estou falando isso aqui para a senhora, doutora, longe de mim. Estou entrando um pouco no campo político… se lá no Canadá é um local bonito, bom para se viver, senhor vereador, mude para lá. Seja vereador lá. Porque eu continuarei aqui na minha terra lutando pelo meu povo e minha gente”.
Reunião polêmica
Luciano Sobrinho ainda confirmou o encontro com representantes da empresa, na segunda-feira (23), e afirmou ter convidado todos os integrantes da Casa.
“Recebemos aqui três funcionários da Vale. Me ligaram na sexta-feira, eu estava em Brasília, e perguntou se eu poderia convidar meus amigos (demais vereadores), que considero nesta Casa, acho que um convite meu aqui dispensa qualquer ofício da Vale. E fiz questão de colocar no nosso grupo o convite a todos os vereadores. Então os que acham que não foram convidados, é porque não consideram o vice-presidente que aqui está falando agora”, disse ele, em discurso claramente direcionado a Vetão, que posteriormente confirmou o convite, mas pontuou não ter achado de bom tom participar da conversa.
Postura natural
De forma bastante comedida, a professora Ana Carolina Freitas opina que a resistência dos vereadores não é uma exclusividade de Itabira. Para ela, será preciso um trabalho conjunto para mudar a realidade ambiental da cidade, e a defesa dos parlamentares à Vale faz parte desse contexto.
“Na realidade, vejo que existe uma resistência, não só em Itabira, mas de forma geral, quando há uma pressão colocada pela comunidade sobre as empresas. Mas a gente não pode esquecer que, historicamente, os avanços na área ambiental sempre aconteceram quando a comunidade passou a pressionar as empresas para que houvesse qualidade de vida, não só geração de renda e emprego. E para que consigamos avançar nessa pauta, todos os atores envolvidos precisam se unir, essa foi uma mensagem que quis deixar aqui hoje. Mas eu sinto que ainda há muita resistência, e é algo que vamos precisar trabalhar”.