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Por que Emanuel Carneiro vendeu a Rádio Itatiaia?

Por que Emanuel Carneiro vendeu a Rádio Itatiaia?

Emanuel Carneiro viu de perto o nascer e o crescer da Rádio de Minas, fundada pelo irmão, Januário Carneiro, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foto: Reprodução/Rádio Itatiaia

Nasci com um aparelho de rádio colado ao ouvido. Um pequeno detalhe genético. Até mesmo por isso, conservo um encanto natural pela mídia falada. O rádio é uma companhia inseparável, desde os meus tempos de “criança pequena”, lá em Ouro Preto.

Na antiga Vila Rica, o som das emissoras ecoava nas ruas e becos. O barulho saía com muita intensidade do interior dos casarões coloniais. Os ouro-pretanos, nos anos 1960, tinham clara predileção pelas estações cariocas. Minha mãe, por exemplo, ouvia a Globo de Roberto Marinho e a Tupi dos Diários Associados. Meu pai escutava a Nacional pra torcer pelo Botafogo. O “velho” era doente pelo alvinegro do Rio de Janeiro. O time da “Estrela Solitária” ganhava todas. Naquela época, o botafoguense desconhecia a palavra sofrimento.

Com o tempo, a Rádio Guarani de Belo Horizonte desbancou a hegemonia dos cariocas. Nos domingos de clássico maior do futebol mineiro, a potente locução de Jota Júnior invadia os ares da cidade barroca. Jota foi o maior narrador esportivo de Minas Gerais, em todos os tempos. Um câncer na garganta calou prematuramente o vozeirão privilegiado. O radialista goiano morreu aos 42 anos de idade, em 1981.

A Rádio Itatiaia era uma leve insinuação na região dos inconfidentes, naqueles idos. Ninguém a ouvia. Eu só descobri a cria de Januário Carneiro durante uma temporada de férias, na casa de um tio, em Nova Lima. E me espantei com uma constatação bastante prática: na chamada “Terra do Ouro”, só dava a Itatiaia. E, de cara, fiquei maravilhado com a programação simples e eclética daquele pequeno veículo de comunicação. A prioridade já era o futebol. Retornei a Ouro Preto. Tentei, de todas as formas, sintonizar a invenção da família Carneiro. Em vão. O antigo “RCA Victor” da minha casa captava apenas o chiado típico de uma caixa de abelhas. A frequência era fraca demais.

O tempo passou. A Itatiaia teve muita paciência (e insistência) para se desenvolver. Mas era uma empresa frágil. Em algumas ocasiões, chegou beijar a lona. Quase faliu. Um exemplo. Em meados dos anos 1960, Januário formou uma equipe de esportes muito eficiente. O time contava com profissionais da envergadura de Jota Júnior, Osvaldo Faria, Kafunga, Paulo Roberto Pinto Coelho, Carlos César Pinguim, Waldir Rodrigues, Roberto Abras, Fernando Sasso, Ronan Ramos, José Silvério e outros. A audiência era muito boa na região metropolitana de BH.

O atrevimento do pequeno empreendimento começou a fustigar a audiência da Rádio Guarani, um órgão de imprensa do poderoso Assis Chateaubriand. O popular Chatô – que não era de levar desaforo pra casa – resolveu interferir naquela improvável queda de braço (era apenas uma impertinência). E partiu com tudo pra cima da concorrência.

Numa véspera de Cruzeiro x Atlético, o empresário paraibano desembarcou na capital mineira de surpresa. E agiu com sua natural agressividade. Conversou com todos os membros do departamento de esportes da Itatiaia e fez uma proposta humanamente irrecusável: triplicou o salário de cada um. Consequência dessa atitude radical: conseguiu levar quase todo o mundo para a Guarani. Essa história registra três incríveis exceções: Osvaldo Faria, Roberto Abras e Pinguim suportaram o assédio financeiro do extravagante “Rei do Brasil”. Foi um sufoco pra garantir a transmissão do clássico. Januário teve que garimpar narradores, repórteres e comentaristas no interior de Minas Gerais. Nada de inusitado. Afinal, com o tempo, a Itatiaia também se transformaria numa autêntica fábrica de jornalistas e radialistas. A emissora sempre foi uma mina de talentos. E – a partir desse episódio – cresceu tanto que virou a incrível “Rádio de Minas”.

Então, levei tremendo susto, no início da semana atrasada, uma espécie de tiro à queima-roupa. Li o furo do portal UAI, nas primeiras horas da manhã de quarta-feira (13/05). A princípio, não acreditei no título da matéria divulgada com exclusividade: ”Rádio Itatiaia é comprada pelo empresário Rubens Menin”. Reagi instintivamente: “os discípulos de Chateaubriand escorregaram numa fake news”, imaginei. Mas, logo a seguir, fria realidade pintou no cenário. A DeFato confirmou a informação.

E aqui vai a pergunta que insiste não calar: por que o competente Emanuel Carneiro se desfez da sua “razão de viver”? A resposta é simples: 120 milhões de reais abalam sólidas convicções e demolem a mais empedernida obstinação. Afinal, todo homem tem o seu preço. O discurso moralista contrário a essa tese não passa de mera hipocrisia. Repito: qualquer pessoa exibe um código de barras na testa.

O milionário negócio encerrou o ciclo de vida da velha Rádio Itatiaia. Não acredite no mito da fênix (nesse caso específico, pelo menos). O sonho original de Januário Carneiro chegou ao fim. A Itatiaia era uma organização tipicamente familiar (o pretérito imperfeito é sinônimo de história). A excelente administração dos Carneiro foi um romântico artesanato que deu muito certo. A Itatiaia mais parecia aquela deliciosa feijoada preparada com muito esmero, num fogão a lenha, num rancho qualquer, bem no meio do mato. Dava gosto saborear (ou ouvir).

A emissora do tradicional bairro Bonfim, a partir de agora, passará por profundas transformações.  A estrutura funcional da “Rádio de Minas” é formada por pequenos feudos. Há feudos de Acir Antão, José Lino Souza Barros, Eduardo Costa e mais alguns. É uma característica bastante peculiar da instituição. Essa conformação medieval, por exemplo, fatalmente será desmontada.

Rubens Menin – o novo Chief Executive Officer (CEO) – é um investidor bastante pragmático (até certo ponto arrivista). O jeito Menin de ser não passa despercebido no meio político. O dono da MRV já foi admirador incondicional de Lula e Dilma Rousseff. Hoje, é bolsonarista de carteirinha. Então – até mesmo por tudo isso – vem aí uma nova Rádio Itatiaia. Nada a ver, portanto, com o sonho original de Januário Carneiro.

 

PS1: Rubens Menin é um mega empresário de tudo: mídia, construção civil e esporte. Ele foi à compra. Pra ficar com o Atlético Mineiro, investiu 300 milhões de reais no futebol e mais R$ 560 milhões na construção de uma moderna arena. Desembolsou R$ 120 mi e levou a maior emissora de rádio de Minas Gerais. O “cara” já é dono da “franquia” do canal CNN, no Brasil. Aonde esse agressivo empreendedor vai parar?

PS2: Emanuel Carneiro ainda ancora a “Turma do Bate-Bola”, todos os dias, às 18h05. “Mas como dói!”

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