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Prepare-se para ser um investidor global

Eu não canso de falar e de insistir que o Brasil está passando por uma revolução de inserção global jamais vista nas últimas décadas e tudo isto graças a boa gestão da nossa economia que mesmo em meio a pandemia nos permite praticar a menor taxa de juros da história e nos permite ter um dólar de equilíbrio capaz de dar competitividade à nossa indústria e margem aos nossos exportadores. 

Este ambiente de juros baixos com um horizonte de estabilidade aumenta o apetite pelo risco e pela busca de opções de investimento, coisa que nunca tivemos por aqui. E é esse ambiente que nós nunca vivemos antes que criou a demanda para uma maior abertura do nosso mercado para produtos e serviços globais de investimento mas oferecidos e negociados no nosso mercado.

Desde o ano passado a pressão sobre o tema cresceu e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão regulador e fiscalizador do mercado de capitais e da indústria de fundos, iniciou uma audiência pública para discutir o tema. 

A audiência pública, que foi de meados de dezembro até o fim de fevereiro foi bastante movimentada e envolveu manifestação da B3, entidades de mercado, escritórios de advocacia, provedores de índice e pessoas físicas e de certa forma mostrou a tendência de amadurecimento do mercado de capitais brasileiro e que na opinião de Marcelo Barbosa, presidente da CVM trouxe reflexão e mostrou as qualidades da audiência pública como mecanismo de produção de normas.

Ao final dos trabalhos, a Comissão de Valores Mobiliários, CVM, decidiu flexibilizar as regras dos BDRs, ou no bom inglês, Brazilian Depositary Receipts, que são títulos emitidos no Brasil que representam ações emitidas e negociadas em outros países. 

Na prática o investidor brasileiro poderá ter acesso a ações de empresas globais e ainda a papéis de dívida corporativa, os chamados bonds que se equivalem às nossas debêntures e que movimentam um mercado trilionário pelo mundo afora. As mudanças entram em vigor a partir de setembro e vão aumentar e diversificar a prateleira de produtos de investimento para o investidor brasileiro de qualquer porte.

Hoje, já existem cerca de 500 BDRs disponíveis na B3, a bolsa brasileira, de empresas como Google, Apple,Facebook e Microsoft mas até setembro, esses papéis só podem ser negociados por investidores qualificados, ou seja, aqueles com mais de R$1.000.000,00 investidos. 

Outra novidade nesta nova regulamentação é a possibilidade de empresas brasileiras que optaram em abrir o capital em bolsas estrangeiras terem suas ações negociadas na bolsa brasileira através dos BDRs, como é o caso da XP, Mercado Livre, Stone, PagSeguro e Vasta, trazendo para o mercado brasileiro boa parte dos investidores brasileiros que hoje movimentam seus recursos lá fora. O mercado brasileiro terá ganhos importantes em liquidez e diversificação de portfólio.

O presidente da CVM, Marcelo Barbosa,em entrevista a jornalistas na semana passada, comentou que a mudança chega em boa hora já que é crescente a demanda por ativos no mercado brasileiro em um contexto de juros baixos. 

“A norma confere maior liberdade para investidores e emissores, na esteira de uma crescente demanda por diversificação de portfólios e de taxas de juros reduzidas”, diz. “Essa é uma forma de tornar mais ampla a oferta de ativos. Achamos que sofistica e desenvolve mais o nosso mercado, com uma opção maior de ativos para investimento e o BDR é um meio para isso”. 

Concordo em gênero, número e grau com o Presidente da CVM e digo mais, uma das principais causas do baixo crescimento do País nas últimas décadas se deve a quase inexistência de um mercado de capitais forte que não conseguia competir com as taxas de juros pagas pelo Tesouro Nacional e pelo sistema financeiro que inibiam o apetite pelo risco e o financiamento da produção. 

Sob a ótica do investidor tínhamos o país dos fundos de renda fixa, cujo o maior lastro das carteiras eram os títulos públicos, e o País da caderneta de poupança, quem tinha dinheiro vivia de juros e durante décadas assistimos passivos a transferência de renda do setor produtivo para o financeiro e a primazia do mercado financeiro em um país com a potencialidade produtiva do tamanho de um continente.

Tem mais novidade no mercado, essa flexibilização de regras dará aos investidores brasileiros o acesso e a opção de investirem em títulos de dívida externa de outros países o que só era acessível a investidores brasileiros com contas em corretoras fora do País.

Outro produto que poderá ser negociado com boa aceitação e liquidez, se repetirem o sucesso que já fazem em outros mercados, são os ETFs (Exchanged Traded Funds) também conhecidos como fundos de índices porque geralmente representam uma carteira de um determinado índice e por isso mesmo vão caindo no gosto do investidor pela simplicidade operacional e diversificação da carteira. Todos esses ativos poderão ser usados como lastro para BDRs a serem negociados na B3.

Como ressaltamos no início deste artigo, além da mexida pelo lado do investidor, as empresas brasileiras que abriram o capital fora do Brasil terão novas alternativas com a nova regra. Isso porque foi retirado da regulação um entrave para que empresas brasileiras listadas em bolsas estrangeiras possam ter BDRs listados na B3 e a partir de setembro as empresas poderão ser listadas em outras bolsas desde que a maior parte da liquidez seja no mercado principal da listagem, preservando o conceito de sede no exterior.

Na prática estamos abrindo o nosso mercado e dando muito mais liberdade e produtos para o investidor brasileiro compor o seu portfólio o que aumenta a liquidez e diminui o risco. Muito dinheiro verde e amarelo travestido de investimento estrangeiro pode retornar ao País tornando o nosso mercado cada vez mais forte.

O número de investidores individuais na B3 cresceu de forma significativa passando de 600 mil cpfs para quase 3 milhões em pouco mais de dois anos mas ainda é muito pequeno quando comparado com a população economicamente ativa brasileira , cerca de 3%, nos EUA cerca de 40% da população economicamente ativa investe no mercado de capitais. Temos um longo caminho de crescimento pela frente.

E viva a liberdade de escolhas, o investidor brasileiro poderá alocar seus recursos de acordo com tendências e movimentos globais como comprar ativos de empresas do sudeste asiático que saíram na frente na retomada da economia, ou ativos ligados ao mercado de maconha medicinal ou à indústria de vídeo games americana.

A condução liberal da economia brasileira com o foco na responsabilidade fiscal juntamente com as reformas são os pilares dessa nova realidade do mercado de capitais brasileiro.

 

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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