Entender e analisar as relações trabalhistas no Brasil por meio da música. Esta é a missão do professor Raoni Rocha e dos estudantes Leonardo Pistolato e Rodrigo Augusto Santos, todos do curso de Engenharia de Saúde e Segurança da Unifei-Itabira, com o projeto “Work n’Roll – Cantando o Trabalho”.
A ação, criada em 2017, busca contar e cantar o contexto do trabalho no Brasil através das músicas produzidas ao longo da história no país. Ela já havia sido executada, presencialmente, na Unifei (espaço do 4a Arte) e no evento Pint of Science de 2019, também organizado pela universidade. O trabalho foi, inclusive, apresentado pelos três integrantes em um artigo no Congresso Brasileiro de Ergonomia.
Com a pandemia, o projeto ganhou um formato digital, sendo produzido completamente em forma remota. Você pode conferir todos os vídeos no canal do YouTube “Ergonomia da atividade”, clicando aqui.
O surgimento do Work n’Roll, que já abordou artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Renato Russo, ocorreu devido a dois fatores principais. O primeiro é a busca da Unifei em desenvolver novos métodos de ensino. Baseado nessa filosofia, Raoni explorou o talento musical dos seus estudantes, descrito por ele como “extraordinário”, para facilitar a aprendizagem dos discentes. O segundo motivo se deve ao fato do trabalho humano ser o principal objeto de estudo do curso.
Coordenador do projeto, Raoni Rocha diz que o tema só passou a ser mais debatido a partir da Revolução Industrial, ocorrida em 1760, na Inglaterra. Segundo ele, desde então a precarização do trabalho foi abordada tanto na música, quanto em outras artes.
“O trabalho tornou-se fonte de reflexão principalmente a partir da Revolução Industrial, onde o trabalho se precarizou, se tornou repetitivo e massante, com jornadas que ultrapassavam 16 horas diárias, mesmo para crianças, idosos e gestantes. O clássico ‘Tempos Modernos’, do Charles Chaplin, retrata bem esse momento. Na música, vários artistas internacionais e nacionais compuseram canções sobre o trabalho. Decidimos fazer uma recorte no contexto brasileiro, dos anos 1930 até os atuais para representar no projeto”, explica.
O recorte mencionado por Raoni se divide em quatro etapas. A primeira delas traz o cenário das primeiras décadas dos anos 1900 até a Era Vargas (1930-1945), onde o trabalho no Brasil era basicamente agrário e visto, principalmente, como fonte de sofrimento. Na época, vários sambas mostravam esse contexto. Em 1937, com o golpe de estado de Getúlio Vargas, o governo buscou por várias maneiras modificar isso, inclusive com censura.
O segundo momento é o da Ditadura Militar, entre 1964 e 1985, e as músicas de resistência à época. “Construção”, do Chico Buarque, talvez seja a mais emblemática desse período. Nesse momento, chega também o computador e essa relação com o homem foi tema de diversas canções, como “Cérebro Eletrônico”, do Gilberto Gil.
Já o terceiro período analisado pelo Work n’Roll é o rock contestador dos anos 80 e 90, também com várias canções sobre trabalho e a desigualdade social provocada pelo neoliberalismo. Algumas dessas canções são bastante explícitas em relação a isso, como “Capitão de Indústria” (Marcos Valle), “Fábrica” (Legião Urbana) ou “Zé ninguém” (Biquini Cavadão).
Por fim, o quarto e último momento é a atualidade, com diversas canções que representam a realidade vivida nos dias de hoje. Esse período, em específico, é visto com bastante preocupação pelo professor Raoni.
“O trabalho hoje mata e mutila aos milhões. De alguns anos para cá, os direitos trabalhistas estão cada vez mais escassos e o desemprego cada vez maior, assim como o trabalho informal. Quase metade da população economicamente ativa já trabalha de maneira informal. O advento da tecnologia, se ajudou por um lado com a chegada de máquinas inteligentes nas industrias, criou relações de trabalho altamente precarizadas, baseadas em plataformas digitais que não garantem mais nem a gasolina para o indivíduo abastecer o seu veículo e não dão qualquer garantia de ajuda em caso de um acidente, por exemplo. O que, há alguns anos atrás, era exceção, hoje tornou-se extremamente comum”, afirma.
O coordenador do projeto ainda diz que a atual política governamental fomenta este grave problema. “No Brasil é ainda pior, uma vez que a política governamental atual estimula o agravamento dessa situação. Não é à tona que somos um dos países com maior prevalência de acidentes de trabalho e um dos países mais desiguais do mundo. Temos muitos desafios pela frente e a arte é nossa aliada nesse sentido”, finaliza Raoni.