Era 30 de janeiro de 2007. Fui a São Paulo, a um hospital famoso para entrevistar um chefe de equipe que desenvolveu uma vacina contra o câncer. Previamente agendado, bem recebido e tudo ia às mil maravilhas. Primeiro, almoçamos juntos num restaurante próximo à casa de saúde. Em seguida, durante quatro horas, fui atendido por ele, que me apresentou a uma turma de paramédicos. Mostrou equipamentos, exibiu resultados de exames e testes e, por cima, contou a verdadeira história de dificuldades que enfrenta. Mas que, finalmente, teria tudo resolvido, acreditava. E eu arrepiava.
Ocupamos uma fita e meia de gravações daqueles velhos da Panasonic. Recebi dezenas de cópias de documentos. Ouvi declarações que nunca tinha ouvido em toda a vida de batalhador pela informação. Fiz dezenas de fotos digitais. Parecia, a princípio, que eu era o melhor repórter do mundo. Como me orgulhei de mim mesmo!
Terminada a entrevista, retornei ao hotel completamente extasiado, certo de que tinha em mãos o maior “furo” que um repórter sonha ter na vida. Estava descoberta a vacina contra o câncer. Daqui para a frente ninguém mais teria esta terrível doença se tomasse a vacina. Voltei a bater no peito e ainda me gabei: Quem no mundo já contou isso? O prêmio que o jornalista tem chama-se “furo”, sua desgraça é a “barriga”.
Mas tinha a certeza de que era um triunfo. O próprio médico me garantira. Liguei na portaria do hotel e solicitei que enchessem o congelador de cerveja e pedi uma pizza. “Tamanho e sabor?” — perguntou a atendente. Respondi: “— Qualquer uma”. Veio uma gigante, de cebola. Nem reparei. Estava no mundo da lua. Peguei o gravador para transcrever as fitas, tarefa que nunca fazia, deixava para outros funcionários da revista. Ansioso estava, condição desaconselhável pela ciência. Peguei o laptop e terminei, lá pelas 4 da manhã todo o trabalho.
Dormi até as sete horas, sonhando. Tomei café, juntei as trouxas e pedi um táxi. Logo ali mesmo, estava com passagem para Confins às 10 horas, no Aeroporto de Congonhas. Ao descer do táxi e me encaminhar ao check-in no balcão da Gol levei um susto que curou meus soluços. Diante de mim senti o pesadelo que ocorreria: o médico, que havia entrevistado no dia anterior, diante de mim como um pedinte de esmola. Ele sabia o horário de meu voo e foi me avistar.
Trêmulo e de olhos rútilos, começou por dizer que passou a noite inteira tentando descobrir em que hotel eu estava hospedado. Disse que, ao chegar à sua casa, ligou para um médico e contou que havia dado uma entrevista assim… assim… assim. O seu interlocutor deu um grito de pavor: “Nossa Senhora, pelo amor de Deus, não deixe essa entrevista ser publicada!”.
Apiedou-se como um cego pedindo cura a Jesus, em tom de imploração, com muitos “pelo amor de Deus”, tudo para que não publicasse o meu “furo do ano”. Até o emprego dele estaria em jogo. Pai de família, dois filhos etc. etc. etc. E uma bela carreira pela frente que poderia acabar ali.
Senti-me um trapo diante de tanta ruína. O purgatório nele e o inferno sobre mim, pensei comigo. Ele me pediu que lhe enviasse por e-mail todas as perguntas que fiz. Garantiu que me daria resposta imediatamente. Isto aconteceu. Confesso que publiquei, infelizmente, uma entrevista falsa. Pura fake news produzida por mim mesmo. Infelizmente.
Esta é uma página triste que guardo de minha vida de editor da revista DeFato. E serve para lembrar ao ser humano, o cidadão bajulado e protegido pelas leis, que todos os elaboradores das legislações, principalmente a que protege o cidadão, nada vale, é um imbecil. Neste presente fato, o babaca sou eu.
Nota ao pé da página
Se Fernando Silva, um dos editores da DeFato, que me entrevistou nos 30 anos da publicação, fizer a si próprio este questionamento — “Por que esse miserável não me contou esse episódio de sua vida?” — antecipo as minhas desculpas assim: “Então, assente-se aí, vou lhe contar mais de mil outros causos de desatinos. Mas tem glória também”.