Itabira é cada vez mais Mato Dentro. Mas, atenção. Aqui não se fala do bucólico arraial do início do século passado. Nada disso. O termo não é uma referência ao suave lugarejo de antes da “explosão” das minas. Bons tempos aqueles! A poeira ainda era simples obra da natureza, um mero fenômeno climático. O barulho ensurdecedor do trovão ecoava nas encostas de ferro, mas não abalava as estruturas das casas. Algumas residências já ostentavam certa imponência.
Essa é a imagem de uma “cidadezinha qualquer” perdida no interior de quase intransponíveis montanhas. Uma delas emoldurada por enigmático pico. A vida ali era trivial e pacata. A noite crivada de estrelas e vagalumes. O poeta Carlos Drummond de Andrade resumiu — em poucas e essenciais palavras — o monótono cotidiano desse sítio encantador. “Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar… as janelas olham. Êta vida besta, meu Deus”. Esse jeito de ser impedia o caminhar do tempo. A tão decantada preguiça era uma eternidade. Durava a vida inteira. Um dia, essa imagem imortalizou-se como amarelada fotografia na parede.
A toada cotidiana apresentava essa monotonia. Até que pintou a cobiça mineral. A metamorfose se fez. E nada mais foi como antes era. Finalmente, chegamos à realidade de agora. Já nos encontramos na segunda década do século XXI. Os dias passam céleres. O amanhã é hoje. Vivenciamos uma época de surrealismo fantástico. Agora sim. Mergulhamos na atual Mato Dentro. A “moderna” Itabira com o seu espírito retrógrado. Sente-se profunda falta de tesão pelo futuro. Já não há a elegância do passado e nem os sonhos coloridos do amanhã. A existência se confunde com o dilema da sobrevivência.
Uma longínqua assombração pintou subitamente no imaginário dos nativos: o assustador cenário da iminente exaustão das “imorríveis” minas de hematita. Assim começa o desmoronamento de fantasias. Uma antiga suposição drummondiana sustentava a imortalidade das colossais jazidas da “Itabira Iron”: “É curiosa a Vila de Utopia, posta na vertente da montanha venerável e adormecida na fascinação do seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro, que darão para abastecer quinhentos mundos durante quinhentos séculos”. Um lapso. Bastaram apenas oito décadas e 500 séculos viraram pó. Literalmente.
E agora, José? A pergunta modernista nada tem a ver com a agonia das minas ou a síndrome do tatu (buraqueira sem fim). O famoso poema foi simples coincidência conotativa ou mera percepção do ponto final? E agora, José? Para além da escória mineral, rejeitos de usinas de beneficiamento e vestígios de tétricas barragens, o que resta? Não sei. Aprecio a aposta na educação. A área do saber é segura e dá infinitas safras. Não tem a fictícia perenidade do minério. E com essencial vantagem: forma novas gerações e não agride ao meio ambiente. Afinal, a ânsia de conhecimento é inseparável companhia do homem por saecula saeculorum, conforme recitava o ícone monsenhor José Lopes do Santos (Padre Zé Lopão).
A Unifei, como se vê, é um barco salva-vidas. Resumo da ópera. Vale a pena estudar. E com razão. A Vale vai picar a mula daqui a pouco. A minha arruaça mental desagua na seguinte constatação: sinto imensa saudade de Mato Dentro ou uma imensurável saudade de mim.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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