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Queda inexplicada na Cfem de Itabira coloca Vale sob suspeita de sonegar lançamentos

Prefeito Ronaldo Magalhães e secretário Marcos Alvarenga questionam números da Vale - Foto: João Sampaio/DeFato

Mesmo com o desempenho positivo nas minas itabiranas, dólar em alta e preço do minério disparando, os repasses de Cfem (Compensação Financeira por Exploração Mineral) para Itabira, na Região Central de Minas, não vêm correspondendo a esse cenário otimista da commodity no mercado internacional, chegando até mesmo a registrar queda em abril. conforme apontam dados oficiais disponibilizados pela ANM (Agência Nacional de Mineração) e pela própria mineradora.

Os questionamentos se baseiam em três pontos. O primeiro é que a produção em Itabira é uma das poucas em Minas Gerais que se mantiveram inalteradas após a tragédia de Brumadinho, em janeiro passado. O segundo é a alta do dólar, que arrancou de R$ 3,20 para quase R$ 4 em 2019. E, por último, a valorização do minério de ferro, cujo preço quase dobrou em relação ao que era praticado no ano passado.

Mesmo com esses fatores, a arrecadação com royalties entre um ano e outro praticamente se manteve inalterada. Quando houve forte variação, foi para baixo, como em abril, onde a diferença entre 2018 e 2019 beirou os 40%. Entre janeiro e maio, foram R$ 41,3 milhões de Cfem para Itabira no ano passado e R$ 40,9 milhões neste ano.

Recolhimento de Cfem em Itabira em 2018 e 2019
Variação do preço do minério de ferro
Variação da cotação do dólar americano em reais

Essa situação tem levantado suspeitas de que a empresa estaria omitindo lançamentos relativos à comercialização do minério extraído na sua cidade-berço, configurando o que poderia ser classificado como sonegação de informações ou maquiagem nos dados lançados para cálculo da Cfem, uma vez que, pela legislação em vigor, é a própria mineradora que declara o quantitativo de venda.

Questionamentos

Em reportagem publicada em maio, DeFato Online mostrou que o governo municipal havia procurado a direção da empresa para esclarecer sobre a queda nos valores dos royalties. Quase três meses depois, ainda em busca de “justificativas aceitáveis”, o prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) subiu o tom contra a mineradora e se disse indignado com a redução na arrecadação e a falta de respostas.

“Só vamos voltar a discutir com a Vale quando a empresa tiver alguma justificativa que realmente valha a pena”, afirmou o prefeito nesta segunda-feira (5) à reportagem de DeFato Online . “A gente está buscando o diálogo, mas chega uma hora que a paciência esgota. Precisamos ter clareza nas informações. Efetivamente não houve nenhuma informação convincente até agora”, reclamou Ronaldo Magalhães.

Em resposta à DeFato Online, a mineradora, por meio de sua assessoria de imprensa, declarou, também nesta segunda-feira, que “a Vale esclarece que efetua, regularmente, o recolhimento da Cfem e observa tanto as normas aplicáveis quanto os limites constitucionais existentes”.

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Para a Prefeitura de Itabira, segundo Ronaldo Magalhães, está encerrada a fase “amigável” em relação às quedas verificadas nos últimos meses nos repasses da Cfem. A partir dessa decisão, a prefeitura denunciará a mineradora junto a outros municípios mineradores, por meio da Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil), e também ao governo federal, junto à ANM (Agência Nacional de Mineração).

A prefeitura vai levar o assunto também para ser discutido na Câmara Municipal. Por enquanto, não é pensada a hipótese de levar a situação à Justiça, uma vez que isso pode protelar a situação, mas isso não é descartado em caso de as conversas não caminharem.  

“Nós já oficializamos isso à Vale e ela nos dá justificativas que não dão para aceitar”, reclama o prefeito Ronaldo Magalhães. Segundo ele, o assunto foi levado ao diretor de Relações Institucionais da empresa, Luiz Eduardo Osorio, em maio, mas as argumentações não convenceram. “Tivemos paciência até agora. Tentamos o diálogo, mas não tivemos qualquer justificativa para o que está acontecendo”, completa o chefe do Executivo.

Tratamento diferente

O prefeito citou casos como de São Gonçalo do Rio Abaixo, Itabirito, Nova Lima e Congonhas, que tiveram barragens suspensas e, por isso, passaram a receber dinheiro da Vale para compensar a queda na Cfem. “Se você pensar bem, quase que valia a pena para a gente estar neste grupo de barragens paradas. A Vale está passando a Cfem total a esses municípios. E nós, que estamos produzindo normalmente, estamos recebendo menos”, desabafou.

Mina Conceição, em Itabira – Foto: Esdras Vinicíus

Números

O secretário municipal de Fazenda, Marcos Alvarenga, se apoia em números para questionar os repasses da Cfem. Ele aponta que, entre janeiro e maio do ano passado, o dólar girou entre R$ 3,21 e R$ 3,40. Já em 2019, neste mesmo período referencial, a moeda americana variou de R$ 3,73 a R$ 3,90, uma alta de 21,5% entre o menor índice (janeiro de 2018) e o maior (maio de 2019).

Variação do preço do minério de ferro Preço da tonelada do minério de ferro em dólares

A evolução do preço do minério também chama atenção. Em janeiro do ano passado, a commodity era vendida a US$ 76,34. Sofreu variações durante os meses e fechou em US$ 69,15 em dezembro. Em 2019, variou 43% de janeiro a junho e chegou aos US$ 108,94 no sexto mês do ano.

“A Cfem recolhida não acompanhou este aumento. Praticamente ficou estável. Claro que você pode apontar algumas oscilações naturais na produção, mas o preço do minério continuou subindo. Em alguns meses, os valores de repasse, ao contrário, caíram. A normalidade seria uma evolução da receita”, aponta Alvarenga.

(Por João Sampaio/Diretor de Jornalismo, e Rodrigo Andrade, editor-adjunto)

 

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