Um dos temas mais discutidos atualmente na política brasileira, as regras da maioridade penal estão em debate permanente. Uma PEC que diminui a idade mínima com que uma pessoa pode ir para a prisão em caso de crimes hediondos – ou seja, uma redução da maioridade penal – chegou a ser aprovada pela Câmara em 2015 e hoje aguarda apreciação pelo Senado Federal.
Essa é uma discussão que tem se desenrolado ao longo de muitos anos e que envolve convicções muito enraizadas sobre responsabilidade individual e sobre a implementação de políticas públicas no país. Afinal, o que é melhor para o Brasil: manter a maioridade penal em 18 anos ou reduzi-la para 16 anos de idade?
O estabelecimento de uma idade mínima que determina que uma pessoa se torne adulta varia de acordo com a cultura, momento histórico, gênero e religião.
Na maioria dos países ocidentais, a maioridade vem a partir dos 18 anos. No entanto, no Japão, essa idade é 21 anos. Igualmente em algumas tribos indígenas a iniciação para a vida adulta começa aos 13 anos.
Para as meninas, em muitas culturas, o sinal da vida adulta seria a chegada da primeira menstruação quando ela teria se transformado em mulher com capacidades reprodutivas.
Por isso, devemos entender a maioridade em múltiplos aspectos. No Brasil, apesar da maioridade penal vir aos 18 anos, o voto é facultativo para os menores de 16 a 18 anos, por exemplo.
Desta maneira, o conceito de maioridade pode vir ou não acompanhado de mais responsabilidades na vida pública, social e política.
A maioridade penal a partir dos 18 anos está estabelecida na Constituição de 1988, no artigo 228, que afirma que os menores de idade são inimputáveis e estão sujeitos a norma especial. Mas por que 18 anos, e não qualquer outra idade? Isso tem a ver com a chamada doutrina da proteção integral, uma diretriz internacional criada a partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas em 1989.
Apesar de que a convenção não determina qual idade deve ser escolhida para a maioridade penal, ela define como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade. O Brasil e quase todos os países do mundo são signatários deste tratado e grande parte deles baseia seu sistema penal para jovens a partir dessa convenção.
A doutrina da proteção integral aparece mais claramente no artigo 227 da Constituição, que fala sobre a obrigação da família, da sociedade e do Estado de assegurar, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais da criança, do adolescente e do jovem. Por tudo isso, antes de completar 18 anos de idade, uma pessoa não pode ser responsabilizada como um adulto no Brasil.
A maioria dos países adota a maioridade penal aos 18 anos, seguindo a Convenção dos Direitos da Criança. Mas essa idade varia entre 12 e 21 anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, nove estados possuem maioridade penal abaixo dos 18 anos. Nos demais, menores de 18 anos são encaminhados à Justiça juvenil.
Porém, o sistema legal do país permite que, dependendo da gravidade do crime, jovens a partir de 12 anos sejam julgados pela Justiça comum, inclusive com possibilidade de prisão perpétua ou pena de morte, em alguns estados.
Na Alemanha, a responsabilidade penal juvenil começa aos 14 anos, enquanto a responsabilidade penal dos adultos começa aos 18. A diferença é que existe um sistema de jovens adultos, para aqueles com idade entre 18 e 21 anos. Dependendo do nível de discernimento e de estudo do infrator, ele pode ser julgado pela lei juvenil, mesmo já nessa faixa etária. Vários países adotam esse tipo de sistema, com variação nas idades estabelecidas.
No Brasil, o caderno normativo que descreve a situação dos menores é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA foi promulgado em 1990 e é o instrumento legal que consolida as garantias da Constituição aos jovens. Ele garante vários direitos para crianças e adolescentes, como direito à saúde, à educação, à liberdade, entre outros. Além disso, ele determina as medidas que devem ser tomadas quando o adolescente comete alguma infração.
Como esse estatuto está baseado no que rege a Constituição, o seu objetivo é que os jovens sejam protegidos e tenham seus direitos garantidos. Por isso, a lógica dele é diferente do Código Penal, que tem como objetivo estabelecer punições adequadas para os vários tipos de crime. O ECA tem um caráter protetivo e pedagógico. As medidas do ECA prezam pela educação do jovem, e não pela punição.
Até a linguagem adotada no Estatuto muda em relação ao Código Penal: o ECA não fala de crimes, e sim de infrações; também não menciona penas, e sim medidas socioeducativas.
As medidas socioeducativas do ECA (descritas dos artigos 112 ao 125) são aplicadas para jovens que já têm idade para ser responsabilizados por uma infração, ou seja, adolescentes com 12 anos a 17 anos de idade.
Quando um menor de idade é pego participando de qualquer tipo de crime, ele fica detido por no máximo 45 dias, que é o tempo que o Juiz da Infância e da Juventude tem para se posicionar sobre o caso. Caso seja julgado culpado, o menor pode ser submetido a seis tipos diferentes de medidas socioeducativas, segundo o ECA:
- Advertência;
- Obrigação de reparar o dano causado;
- Prestação de serviços à comunidade;
- Liberdade assistida;
- Semiliberdade;
- Internação.
As medidas são aplicadas de acordo com a gravidade do crime cometido. Na hipótese de internação, os menores infratores ficam no máximo por três anos em centros de recuperação.
A maioridade penal se refere à idade em que a pessoa passa a ter responder criminalmente como um adulto, ou seja, quando ele passa a responder ao Código Penal. Já a responsabilidade penal pode ser atribuída a jovens com idade inferior à da maioridade penal.
A redução da maioridade penal no Brasil é um assunto extremamente polêmico. Uma vez que, existem muitos argumentos favoráveis e desfavoráveis. Por exemplo, a redução da maioridade penal não vai reduzir a violência, pois a violência tem relação com o contexto social, familiar e cultural do indivíduo.
Outro argumento que podemos citar dentro deste tema, é que o sistema prisional não resolve o problema da violência no Brasil. Antes de construir mais presídios para conter a violência, é necessário construir mais escolas. A educação tem impacto positivo na redução dos índices de violência. As consequências não seriam positivas devido aos pontos citados anteriormente.
A discussão sobre a redução da maioridade penal em caso de crimes hediondos gera debates acalorados. Vários são os argumentos a favor e contra a medida.
Vejamos quais são os pontos de vistas defendidos por quem deseja a redução da maioridade penal:
- Discernimento: um jovem de 16 a 18 já tem condições de saber o que é certo e errado. Assim é plenamente capaz de ser responsabilizado por um crime hediondo.
- Medidas punitivas insuficientes: as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não dariam conta e vários menores se aproveitavam disso para cometer crimes.
- Diminuição de aliciamento por parte do tráfico de drogas: muitos menores são recrutados porque os narcotraficantes sabem que eles não irão para a cadeia.
Por sua vez, os argumentos contra a redução da maioridade penal são os citados abaixo:
- Desigualdade: os problemas sociais do Brasil atingem principalmente os adolescentes negros e pobres o que agravaria o racismo e marginalização deste grupo social.
- Educação: a criminalidade entre adolescentes e jovens deveria ser solucionada com investimentos em educação e saúde e não com punição.
- Modelo prisional: as cárceres no país não são preparadas para ressocializar adultos e muito menos estariam adequadas para receber jovens.
Diante de tudo relatado acima, denota-se que a redução da maioridade penal diminuiria o aliciamento de menores para o tráfico de drogas. Hoje em dia, como são inimputáveis, os menores são atraídos para o mundo do tráfico para fazer serviços e cometer delitos a partir do comando de criminosos. Sem a maioridade penal, o aliciamento de menores perde o sentido.
Porém, o sistema prisional brasileiro não cumpre com o seu objetivo de reeducar indivíduos que praticaram crimes e foram condenados pela justiça. A solução para o problema tem a ver com investimentos e acompanhamento da educação dos menores de idade, responsabilizando a família quando os mesmos não recebem a devida educação em seus lares.
Gustavo Soria Coelho é advogado com mais de 18 anos de experiência. Especializado em direito criminal, tem pós graduação em Direito Penal e Processo Penal pela EBRADI ( Escola Brasileira de Direito), especialização em tribunal do júri pelo CEI (Centro de Estudos pela Internet) e milita também na área cível e empresarial. Gustavo Soria também é formado pelo Instituto de Ensino Superior de João Monlevade/MG.
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