Era uma vez 1997. O primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) chegava ao fim (1995 a 1998). Durante sua gestão, o tucano deu sequência à consolidação do Plano Real — a sua “obra-prima” como ministro da Fazenda de Itamar Franco. Mas o carro-chefe do novo modismo gerencial seria a privatização em massa. O leilão da velha Cia. Vale do Rio Doce (CVRD) se transformou no símbolo desse bota-fora de empresas estatais. A chamada “joia da coroa” acabou negociada por R$ 3,3 bi. Uma desprezível bagatela. Alguém (ou algo) comprou a mineradora a preço de banana.
Apesar dessa polêmica, Fernando Henrique concluiu a sua missão com elevado índice de aceitação. Esse detalhe inflou o ego do peessedebista, um sujeito extremamente vaidoso, a mais autêntica reencarnação de Narciso. O grão-tucano enxergou nas pesquisas de opinião um salvo-conduto para a sua manutenção no terceiro andar do Palácio do Planalto. E não perdeu tempo. Imediatamente esboçou um projeto de perpetuação no poder. A única possibilidade de concretização desse sonho de verão seria por meio de sufrágio universal. Golpe de estado? Nem pensar. A constituição previa mandato único para o cargo maior da nação.
Apareceu uma luz no final do túnel. As Propostas de Emendas à Constituição (PEC) sempre foram panaceias para todos os males da República. Então, a PEC-16 de 1997 — que implantou o instituto da reeleição no Brasil — foi a poção mágica que faltava. Mas tem um capítulo malcheiroso nesse conto de fadas. A reeleição foi uma mercadoria comprada no armazém da politicagem tupiniquim. Vários parlamentares receberam dinheiro vivo para votar favoravelmente à estrovenga. O deputado Ronivon Santiago (PFL/AC), por exemplo, embolsou R$ 200 mil para o “nobre fim”. O político acreano assumiu espontaneamente a maracutaia. A manobra espúria foi denunciada — com exclusividade — pelo jornal Folha de São Paulo. Um escândalo com a dimensão do Brasil. Mas o ensurdecedor barulho de nada adiantou. A arruaça acabou em pizza.
Fernando Cardoso jura que nunca soube das negociatas do submundo da capital federal. No final das contas, a novela terminou com um final feliz para o orgulhoso mandarim. O “príncipe dos sociólogos” conseguiu a sua reeleição com facilidade. Nem precisou encarar um segundo turno. E ponto. O novo governo do astro do PSDB, porém, se redundou num fiasco. O presidente reeleito caiu nas armadilhas econômicas armadas para o seu sucessor. Nome do sucessor: Fernando Henrique Cardoso — o “suprassumo da inteligência”. A passagem de FHC pelo Planalto Central terminou de forma melancólica. O marido de dona Ruth praticamente se viu escorraçado de Brasília.
E aqui, agora, fecham-se as cortinas do tucanato. O Partido dos Trabalhadores (PT) entra em cena. Mudam-se os atores e o enredo. O primeiro governo Lula (2003 a 2006) começou com expectativas bastante positivas. A aeronave voava em céu de brigadeiro. Havia uma perfeita sintonia entre povo e governo. Mas, de repente, “o inesperado fez uma surpresa”. Pintou um Mensalão no meio do caminho, no meio do caminho pintou o Mensalão.
A encrenca significou uma dura pancada na imagem dos “paladinos da honestidade”. Lula praticamente encostou-se nas cordas. O fantasma do impeachment assombrou as noites mal dormidas do grande líder, durante muito tempo. O pesadelo quase virou realidade. Uma imensa decepção tomou conta do País. A máquina da moral e ética do PT descarrilhou abruptamente. Luiz Inácio correu sério risco de deixar o Palácio do Planalto pelas portas do fundo. E essa tragédia só não se consumou por um detalhe prosaico: a oposição deu mole. Ao invés de percorrer um caminho constitucional mais ortodoxo (as trilhas do impedimento), os tradicionais adversários optaram por deixar “o sapo barbudo” sangrar em via pública. Na ótica dessa turma, Lula seria consumido por uma espécie de inanição política.
Os “espertos” não atentaram para a principal lição de uma luta de boxe: quando o adversário estiver em frangalhos, não dê colher de chá. Acerte um cruzado perfeito e acabe o embate com um nocaute técnico. Do contrário, o oponente se recupera, desfere um golpe letal e derruba o imprevidente favorito. Foi exatamente isso que aconteceu no ringue brasiliense. O petista se revigorou, venceu a reeleição e ainda elegeu Dilma Rousseff (a improvável sucessora). O “companheiro maior” fez um eficiente segundo mandato e desceu as rampas do Planalto ao som de “Pompa e Circunstância”. O vacilo fatal da oposição repercute até hoje: Lula é presidente da República pela terceira vez. Moral da história. Não fosse a reeleição, FHC teria sido um dos melhores presidentes do Brasil, em todos os tempos. Graças à reeleição, Lula renasceu das próprias cinzas. Resumo da coisa toda: a reeleição foi o paraíso de Lula e o inferno de FHC.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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