Vivendo o pior momento da pandemia, o Brasil continua preso em seu eterno dia da marmota e demonstra que está longe de ter algum controle sobre o vírus. Ontem, o país bateu um novo recorde de mortes em 24 horas: 2798, segundo o consórcio formado por alguns dos nossos principais veículos de imprensa.
Com isso, estados e municípios voltaram a tomar restrições mais rígidas para amenizar o estrago, apelando à proibição de várias atividades. O futebol, como não poderia deixar de ser, se vê envolvido nesta discussão. Em São Paulo, o campeonato estadual foi paralisado até o dia 30 de março. No Paraná, vários jogos também foram adiados devido ao grave momento.
Em Minas Gerais, tudo indica que o Campeonato Mineiro será interrompido a partir da próxima segunda-feira (22). Também havia sido especulada a hipótese do estado receber jogos de equipes paulistas, mas esta foi descartada.
Embora haja um clamor público pela paralisação imediata do futebol, o assunto é mais complexo do que parece. Analisando a situação de maneira fria, é difícil dizer que o futebol tem forte impacto no alto número de casos do momento. Aliás, posso dizer, com tranquilidade, que hoje existem poucos ambientes tão seguros quanto o futebol.
Os atletas de alto nível do país são intensamente testados, cerca de duas vezes por semana, pelo menos. Quando o resultado atesta positivo para o vírus, eles seguem rígidos protocolos criados pelos clubes, o que evita uma contaminação em massa de seus familiares, amigos e outros grupos.
Tal “segurança” até fez com que Alexandre Kalil, muito elogiado por sua gestão no combate ao vírus, liberasse a prática na capital mineira. O ex-presidente do Atlético-MG, baseado em estudos e pesquisas, chegou a afirmar que o risco de transmissão durante uma partida é “absolutamente nulo”.
De acordo com o prefeito de Belo Horizonte, que ao lado de uma equipe de infectologistas analisou mais de 2.400 partidas, “não houve qualquer correlação entre a incidência de casos nas cidades e nos times de futebol”. Ele ainda acrescentou que “se seguidas as normas adequadas, o futebol é seguro”.
O maior risco apresentado pelo esporte, neste momento, se refere às reuniões de torcedores em partidas decisivas. Não foram raras as cenas de fanáticos recebendo ônibus ou se reunindo fora dos estádios para oferecer um apoio ao time do coração, mesmo que de longe.
Este, sim, é um problema muito sério. Mas que poderia ser tranquilamente coibido com o planejamento e a execução de ações que dispersassem tais grupos, ações que envolvessem esforços conjuntos dos clubes e dos órgãos públicos.
Na Europa, como foi bem observado por Paulo Vinícius Coelho em sem blog, os países conseguiram controlar a pandemia sem, necessariamente, paralisar o futebol. Houve uma suspensão dos jogos no início de todo este terror, mas à medida que os meses foram avançando e entendemos melhor sobre o tema, os governos nacionais perceberam que o futebol, sem torcida, não oferecia grandes riscos.
Mas aí somos obrigados a entrar em outro ponto importante. No Velho Continente, o futebol continuou, mas as medidas governamentais foram duras em outras frentes e a população as atendeu. Ao contrário do Brasil, cujo principal líder sempre desdenhou da letalidade do vírus e a população possui sérias dificuldades em cumprir o básico. Estamos falando do país da máscara no queixo.
Se tivéssemos adotado, desde março de 2020, um comportamento mais sério no combate à pandemia, o cenário seria outro. Não estaríamos batendo recordes negativos, os hospitais estariam razoavelmente controlados e a bola continuaria rolando em Minas, São Paulo, no Paraná ou em qualquer outra unidade federativa.
Mas a omissão governamental e a nossa falta de educação nos obrigam a recorrer a todas as medidas que possam frear o coronavírus. Inclusive aquelas que, comprovadamente, não fazem muito sentido.
Victor Eduardo é jornalista e escreve sobre esportes em DeFato Online.
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