2024 é um ano daqueles. É tempo de troca dos mandarins das cidades. A cada dois anos, tem um pleito no país. Candidatos a prefeitos e vereadores desfilarão com desenvoltura na passarela do processo eleitoral. Depois do Carnaval, começarão as movimentações no tabuleiro do jogo político. Esse cronograma é tradicional.
Os atores de Brasília sempre participam da refrega paroquial com entusiasmo. Uma figura carimbada, porém, não será convidada para a “festa da democracia”. Aqui se menciona o baladíssimo senador Sergio Moro. O paranaense será legalmente degolado antes do início da corrida eleitoral. Durante a campanha, o popular Marreco estará desfrutando da paz em seu lar, doce lar. Essa colocação não é uma metáfora para Papuda. Não chegará a tanto. O ex-mito dos magistrados será cassado em duas instâncias da Justiça. Primeiro, no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná. O embate final acontecerá no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Quanta ironia! O antigo herói nacional será vítima da cobra que criou. Com efeito. Nos dias de hoje, prevalece clara desarmonia entre os poderes da República. O sistema de freios e contrapesos foi para cucuia. Esse desequilíbrio institucional faz Montesquieu revirar em seu túmulo. Em terras tupiniquins, os membros do Supremo Tribunal Federal (STF) transformaram-se em incontestáveis oniscientes. Esses “iluminados” se comportam como enviados do Todo Poderoso. Monocrática ou coletivamente, tudo podem e decidem sobre alhos e até bugalhos. Em algumas ocasiões, agem com heterodoxia. E, nessas circunstâncias, a Constituição normalmente se assemelha a um livrinho de Carlos Zéfiro. Não raro, a Carta Magna passa por um ritual de espancamentos. Tudo isso sob olhares compassivos da plateia vira-lata. Afinal, as principais performances do STF são exibidas ao vivo e em cores, para todo o território brasileiro.
O responsável pela supremacia do poder judiciário tem nome e sobrenome: Sergio Fernando Moro. Um dia, esse antigo meritíssimo transformou-se em ídolo e referência para todos os juízes do Brasil. Uma rara unanimidade, apesar de semianalfabeto gramatical e incansável atropelador do devido processo legal. O “conje da conja” já foi bajulado em todos os patamares da Justiça. Era uma panaceia para os males da magistratura. Assim permaneceu até que a máscara despencou. O desencanto começou quando a Operação Lava Jato virou Operação Tabajaras. A vaca tomou o rumo do brejo depois que a força tarefa de caça a corruptos se revelou um mero trampolim para o poder.
O vaidoso Moro acalentava um sonho oculto: ser presidente da República ou ministro do STF. Jair Bolsonaro seria a pinguela para se alcançar a outra margem da fantasia. O primeiro passo até foi dado. O sujeito abandonou a toga e assumiu o Ministério da Justiça no governo bolsonarista. A estratégia tinha um quê de maquiavélica. A certeza do sucesso partia de uma suposição infantil: Bolsonaro seria um bobo da corte ou bronco facilmente manipulável. Nesse panorama, Sergio desempenharia o papel de primeiro-ministro informal. O morador do Palácio da Alvorada funcionaria como uma espécie de rei da Inglaterra – aquele que reina, mas não governa. Enquanto isso, o antigo proprietário da Lava Jato mandaria e desmandaria em Pindorama. O tiro de misericórdia seria o enquadramento do velho capitão. O “árbitro” paranaense planejava meter Jair numa masmorra, assim como fez com Lula.
O “especialista” em língua portuguesa, porém, deu com os burros n´água. Por um motivo prosaico. O marido da Michelle nunca foi marionete. O dono da bola percebeu as perigosas maquinações do líder da tropa de Curitiba. Consequência: Moro foi escorraçado do poder. Levou um pé com coturno no aristocrático traseiro. Ainda assim, o aprendiz de político não se contentou com o ostracismo. Cometeu outro desatino. Traiu o senador Alvaro Dias – um admirador incondicional das estripulias moristas – e se elegeu senador pelo Paraná. Ganhou com expressiva votação.
O script sinalizava para um final feliz. Até que “o inesperado fez uma surpresa”. Pintaram alguns juízes no meio do caminho, no meio do caminho apareceram os fatídicos capas pretas. Os homens de togas farejaram derrapadas na prestação de conta do candidato Sergio Moro. E agora? Não vai dar outra. O rei da Lava Jato será defenestrado do Senado. E será defenestrado pelo poder que ele tão intensamente fortaleceu (o Judiciário). Essa lengalenga toda pode ser resumida por meio de um velho e surrado ditado: “a Justiça tarda, mas não falha”. Tal aforismo também é conhecido por “lei do retorno”. Moral da história: quem nasceu para marreco jamais chegará a cisne. É hora de se colher o que plantou.
PS1: Por que Sergio Moro traiu os bolsonaristas e votou favoravelmente à indicação de Flávio Dino para ministro do STF? Elementar, meu caro Watson. O ex-juiz aposta todas as suas fichas em Dino, caso alguma provável encrenca chegue ao Supremo. E já chegou. Será que cola?
PS2: Sergio Moro e a gramática vivem em permanente conflito, desde o berço. A derrapagem gramatical começa em “Sergio” (sic). Afinal, todas as palavras paroxítonas terminadas em ditongo crescente (ou proparoxítonas aparentes) são acentuadas. A regra funciona para nomes próprios também. Alvaro Dias, que é cidadão honorário de Itabira, sabe disso?
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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