Nasci no mês de maio. Quando maio era maio. Hoje tem mais cara de janeiro. Calor intenso, vendavais avassaladores e perigosos temporais. O quinto mês do ano era suave. Coisas incríveis aconteciam sob o céu de um azul transparente e sereno. Era tempo de Maria e noivas. Maria foi embora e os matrimônios de agora vêm com prazo de validade. Duram em média uma década. Penso nos maios de antigamente e sinto imensa saudade de mim. A adolescência nas ruas estreitas da velha Vila Rica dos Inconfidentes marcou definitivamente a minha alma.
Afinal, nasci em maio. E daí? Nada mais que simples privilégio. Uma vez Carlos Drummond de Andrade escreveu uma longa carta endereçada aos “maístas”. “Carta aos nascidos em maio” é o título da crônica. Não sei os motivos dessa homenagem. O nosso poeta modernista “tinha razões que a própria razão desconhece”. Não tem explicação. O Carlos itabirano nasceu no último dia de outubro. Portanto, muito distante de maio. Destaquei o trecho que mais combina com meu jeito de ser um ser. “O uso grosseiro de vossa vida não lhe corromperá de todo a limpidez original; se um dia matardes, se vos venderdes à política, se vos tornardes a vergonha de nossa pátria, ainda assim o lado maio de vossa fisionomia continuará indelével, e fará com que se murmure: coitado! Apesar de tudo, nasceu em maio”.
Algo me toca contraditoriamente. Jamais pensei matar alguém. Falta-me hombridade para tanto. Rendo-me à política — socraticamente sou um animal político. Sempre cogitei morrer. É um fato natural. Até por isso, faço da existência uma atitude levemente interessante (não grosseira). Músicas, livros, estudos, trabalho, família, academia, bate-papos em botecos e futebol (principalmente do Cruzeiro) impulsionam suavemente o meu barco em águas serenas. O Poeta Maior até apresenta um atenuante: “Os nascidos em maio caminham ao peso de uma carga suave — uma andorinha não pesaria menos —, que é o pressentimento, a intuição de participarem de um segredo atmosférico, pois ele está gravado, em hieróglifos, no ar, e no vento perpassa”.
Nasci no dia 20 de maio há setenta anos. A história voou na velocidade de errático cometa. Já não tenho pai e nem mãe. Perdi muitos amigos na extenuante estrada desse viver. Alguns por conveniente opção. Outros involuntariamente (a dama de negro os abraçou). Mas, de repente, hoje é amanhã. Inspiro-me na filosofia presidencial para resumir esse momento inédito com um aforismo “birosqueiro”: aos 70 tenho tesão de 16 e mentalidade de 10. Ainda assim, nasci em maio. E não importa mais nada.
P.S.: maio é uma homenagem a Maya, deusa romana da terra e das colheitas.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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