O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na tarde desta quarta-feira (6) o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha, perto de fixar uma quantidade da droga para diferenciar consumo próprio de tráfico no momento da abordagem policial. O placar do julgamento está em 5 a 2.
O julgamento foi iniciado em 2015, mas sofreu interrupções, a mais recente resultante em razão do pedido do ministro André Mendonça, em agosto do ano passado, por mais tempo para analisar o caso. A discussão é retomada na tarde desta quarta com a leitura do voto-vista.
No início da sessão desta quarta-feira, Mendonça adiantou que acompanharia a linha de voto do colega Cristiano Zanin que, inaugurou divergência no julgamento. Zanin votou contra a descriminalização do porte de maconha sob entendimento de suposto agravamento de problemas de saúde relacionados ao vício. De outro lado, ele sugeriu fixar a quantidade máxima de 25 gramas para diferenciar usuário de traficante.
Em seu voto, Mendonça ressaltou os “malefícios” do uso da maconha, frisando as “consequências notáveis para a saúde e a sociedade”. Após ler uma série de estudos em tal conclusão, o ministro afirmou: “Isso faz a maconha, isso faz fumar maconha. É o primeiro passo, se é pra dar o primeiro passo, para precipício”.
Na avaliação do magistrado, a descriminalização do porte da maconha para uso pessoal é uma tarefa do Poder Legislativo. “Vamos jogar para um ilícito administrativo. Qual autoridade administrativa? Não é para conduzir para a delegacia. Quem vai conduzir quem? Pra onde? Quem vai aplicar a pena? Ainda que seja uma medida restritiva. Na prática, nós estamos liberando o uso”, indicou.
O posicionamento do ministro é para que seja considerado constitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que trata das penas para o porte para uso pessoal. Mendonça ainda defendeu que seja dado prazo de 180 dias para que o Congresso estabeleça critérios objetivos para diferenciar usuários de possíveis traficantes. O ministro ainda propôs que, enquanto o Legislativo não se manifeste sobre o tema, seja fixada a quantidade de 10 gramas para orientar o enquadramento como consumo próprio e tráfico.
O foco da corrente, por enquanto vencedora, na Corte é pela descriminalização do porte da maconha para uso pessoal, com o estabelecimento de parâmetros para diferenciar o porte pessoal do tráfico. Cinco ministros votaram em tal sentido: Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (aposentada), Alexandre de Moraes e Edson Fachin.
Os magistrados ainda apresentaram diferentes propostas para a definição de um limite de droga que o usuário pode portar sem ser enquadrado por tráfico. O posicionamento com maior força no STF é o do ministro Alexandre de Moraes no sentido de presumir como usuárias as pessoas flagradas com 25g a até 60g de maconha ou que tenham a posse de seis plantas fêmeas.
Descriminalização
No início da sessão de julgamentos desta quarta-feira os integrantes do STF voltaram a debater o termo “descriminalização”, em razão de uma colocação de André Mendonça. Antes de votar, o ministro fez distinção entre termos: legalização, o que seria o Direito considerar a conduta “normal”, insuscetível de sanção, mesmo que administrativa (sendo que, nesse tópico, Mendonça destacou que o STF não está legalizando o porte de maconha); despenalização, que consiste em não punir com pena de prisão, mas com outras medidas, o “sistema em vigor atualmente”; e descriminalização, significa deixar de tratar como crime.
O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso então destacou o “efeito da palavra” descriminalização. “Talvez seja menos uma questão semântica e mais de percepção”, indicou. Segundo o ministro, o termo pode levar à errônea interpretação de que o STF estaria dizendo que “não tem problema” o porte de maconha. “E não é isso que nós estamos fazendo”, frisou Barroso. “Não é recreio”, completou o decano Gilmar Mendes.
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes explicou: “O ministro André está correto. Nós não estamos legalizando, dizendo ‘não poderá haver consequências’. Mas nós estamos descriminalizando”. Barroso ressaltou: “É um ilícito, mas não é crime. Não é um ilícito criminal”. E Gilmar completou novamente: “Estamos mantendo como ilícito administrativo, podendo o Legislador fazer todo um tratamento e daí a necessidade de as autoridades de saúde pública passem a focar nessa temática”.
Barroso então ressaltou que é fato que, tecnicamente, a corrente vencedora, por hora, no STF, é pela descriminalização. “Nosso problema é um pouco mais de sonoridade das palavras. Ao falar descriminalizar, gera-se a confusão que eu tentei desfazer ao início. Porque descriminalizar pode parecer que é legalizar. Então nós estamos dizendo que deixa de ter uma sanção penal e passa a estar sujeito a medidas administrativas”.
Enquanto debatida a questão do termo descriminalizar com Mendonça, Barroso fez menção ao impacto da medida sobre a vida dos enquadrados como usuários. O ministro chegou a questionar qual seriam as outras consequências práticas de manter o porte como um crime que não a “quebra da primariedade”.
“Para um jovem pobre que está procurando emprego, se constar da certidão dele que não é mais réu primeiro ele tem uma dificuldade a mais numa vida que já é difícil. Não estou falando em reincidência, estou falando da vida normal. Ele quer um emprego, vão pedir a ficha de bons antecedentes para ele e ai vai constar um registro penal por drogas. Por via de consequência a vida dele está prejudicada”, explicou.
Saiba como foram os votos dos outros ministros até agora
Em 2015, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou no sentido de descriminalizar o porte de qualquer tipo de droga para consumo próprio. Posteriormente, após o voto de Edson Fachin, ele reajustou o entendimento para restringir a medida ao porte de maconha e pela fixação de parâmetros diferenciando o tráfico de consumo próprio.
Atual vice-presidente da Corte, o ministro Edson Fachin afirmou que a regra é inconstitucional exclusivamente em relação à maconha. Ele entende que os parâmetros para diferenciar traficantes de usuários devem ser fixados pelo Congresso.
O ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, se manifestou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Ele propôs como parâmetro a posse de 25 gramas da substância ou a plantação de até seis plantas fêmeas da espécie. Para o ministro, a proposta é que o colegiado também discuta a fixação de parâmetros, com o objetivo de diferenciar porte e produção para consumo próprio do tráfico de entorpecentes.
O ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, propôs que as pessoas flagradas com até 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas sejam presumidamente usuárias. Ele explicou que chegou a esses números a partir de um estudo sobre o volume médio de apreensão de drogas no Estado de São Paulo, entre 2006 e 2017. Gilmar Mendes incorporou no voto dele os parâmetros sugeridos por Moraes.
A ministra, agora aposentada, Rosa Weber, deu parecer favorável à liberação do porte de maconha e afirmou que a criminalização da conduta é desproporcional, por atingir de forma veemente a autonomia privada. Segundo a ministra, a mera tipificação como crime do porte para consumo pessoal potencializa o estigma que recai sobre o usuário e acaba por aniquilar os efeitos pretendidos pela lei em relação ao atendimento, ao tratamento e à reinserção econômica e social de usuários e dependentes.
“Essa incongruência normativa, alinhada à ausência de objetividade para diferenciar usuário de traficante, fomenta a condenação de usuários como se traficantes fossem”, disse. O novo ministro do STF, Flávio Dino, que assumiu a cadeira de Rosa Weber, não vota no caso.
Até o momento, o único que nega provimento ao recurso é o ministro Cristiano Zanin. O ministro abriu a divergência no julgamento. Para ele, a alteração do artigo 28 da Lei de Drogas, em 2006, pelo Legislativo, foi para despenalizar e não para descriminalizar o porte de drogas. Com isso, não seria possível, pela via judicial, alterar essa opção do legislador.
Zanin ainda, considera que a descriminalização somente seria possível se fossem definidas regras sobre como seria a oferta da droga legalizada. Além disso, o magistrado entende que a descriminalização pode agravar problemas de saúde e segurança da população.