Proposto pela Prefeitura de Itabira e em discussão na Câmara de Vereadores, o projeto de lei 09/2023, que cria um subsídio para o transporte público municipal, poderá, neste momento, não causar impacto financeiro para as pessoas com salários de até R$ 2 mil e que recebem vale-transporte, um benefício assegurado pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Isso porque contribuição desses profissionais no custeio da passagem, que é baseado em um desconto de 6% sobre o salário, não sofrerá alteração — somente a fatia destinada às empresas que contratam esses profissionais terá redução real no seu valor.
Ao portal DeFato Online, o governo Marco Antônio Lage (PSB) apresentou um estudo em que calcula a possível economia do usuário do transporte público. Porém, esse estudo não leva em consideração as especificidades de cada perfil de usuários do transporte público municipal, já que a forma de custeio da passagem é diferente, por exemplo, de quem paga ela do próprio bolso e daqueles que usam o vale-transporte — e que representam mais da metade dos usuários de ônibus em Itabira.
Ainda em tramitação na Câmara Municipal, os vereadores devem analisar na tarde desta segunda-feira (24), às 14h, durante a reunião de comissões, a proposta que cria o subsídio para o transporte público municipal — em um encontro que é aberto à participação do público em geral. Há uma expectativa de que o projeto de lei possa ser levado para o plenário na terça-feira (25), já que ele precisa ser votado para “destravar” a pauta do Legislativo.
Cálculo sobre o vale-transporte
De acordo com um estudo apresentado pela Superintendência de Transportes e Trânsito (Transita) no dia 12 de abril ao Conselho Municipal de Transportes e Trânsito (CMTT), os usuários de vale-transporte (tanto de órgãos públicos quanto de empresas privadas) correspondem a 54,5% dos pagantes nas linhas de ônibus da cidade; já aqueles que custeiam a passagem do próprio bolso ou que utilizam o cartão popular representam 38%; enquanto os usuários do meio passe estudantil retratam 7,5% daqueles que pagam pelos bilhetes.
A proposta do governo Marco Antônio Lage prevê uma redução no valor da passagem de ônibus, passando de R$ 4 para R$ 3. Porém, os usuários que recebem entre um salário mínimo, atualmente em R$ 1.302, e R$ 2 mil não serão impactados financeiramente por essa medida. Isso porque o custeio do vale-transporte é dividido entre o trabalhador e o empregador: o funcionário tem um desconto de 6% dos seus salários e a empresa arca com o restante do valor do vale-transporte.
Se levarmos em conta um cenário em que um trabalhador utiliza dois vales-transportes, com cada um custando os atuais R$ 4, com 22 dias úteis no mês — o vale-transporte ficará em R$ 176 mensalmente. Dessa forma, um funcionário que recebe salário mínimo de R$ 1.302 pagará R$ 78,12 (que corresponde ao desconto de 6%) e a empresa pagará o restante do valor: R$ 97,88.
Caso ocorra a redução no preço da passagem para R$ 3, o custo mensal do vale-transporte passa a ser de R$ 132. Porém, o trabalhador que tem descontado 6% dos seus vencimentos não terá impacto financeiro, pois seguirá pagando os mesmos R$ 78,12; com o empregador absorvendo o benefício dessa redução, já que a sua fatia de participação cairá para R$ 53,88.
Para o trabalhador que recebe R$ 2 mil, a situação é semelhante. Dos R$ 176 de vale-transporte que recebe atualmente todo mês, ele é responsável pelo custeio de R$ 120 (devido ao desconto de 6% do salário) enquanto o seu empregado custeia os R$ 56 restantes. Com a redução da passagem para R$ 3, o valor mensal de vale-transporte passa a ser de R$ 132 — com o funcionário custeando os mesmos R$ 120 (devido ao desconto de 6% do salário) enquanto a empresa passa a ser responsável por uma fatia de apenas R$ 12.
A redução no valor da passagem começa a impactar financeiramente os trabalhadores que recebem R$ 2.500,00 por mês. Atualmente, com duas passagens por dia, eles têm um vale-transporte de R$ 176 — com eles arcando com R$ 150 (devido ao desconto de 6% no salário) e a empresa pagando R$ 26. Com a tarifa reduzida para R$ 3, e o vale-transporte mensal caindo para R$ 132, a fatia de contribuição deles seguem em R$ 150, o que dá uma sobra positiva de R$ 18. E o seu empregador passa a não arcar com nenhuma fatia nessa conta.
Dessa forma, ao menos parte do principal grupo de usuários dos ônibus da cidade pode não se beneficiar da atual proposta de subsídio ao transporte público urbano municipal.
Outro lado
Procurada pela reportagem do portal DeFato Online, a assessoria de comunicação da Prefeitura de Itabira apresentou um estudo de impacto por usuário e por família de até cinco pessoas. É o mesmo estudo apresentado em 12 abril pela Transita ao CMTT. “O estudo de impacto por usuário se refere ao subsídio que foi iniciado no ano passado e findou-se em fevereiro deste ano”, informa em nota o governo Marco Antônio Lage.
Porém, esse estudo não leva em conta as especificidades do perfil de cada usuário dos ônibus, já que a forma de custeio dos transporte público, por exemplo, se difere para aqueles que arcam com a passagem do próprio bolso daqueles que utilizam o vale-transporte. O estudo também não apresenta a quantidade de pessoas que serão impactadas diretamente pela proposta de subsídio.
Confira o estudo da Prefeitura de Itabira:
Ainda de acordo com o posicionamento enviado pela assessoria de comunicação da Prefeitura, as melhorias previstas para o transporte público municipal — como renovação de frota, ampliação de linhas e instalação de novos abrigos — estão condicionadas ao contrato de renovação da concessão com a Transportes Cisne, assinado em fevereiro. Dessa forma, o cumprimento dessas diretrizes não está associada à aprovação ou não do subsídio para custeio da passagem de ônibus.
“Diversas melhorias estão previstas com a renovação contratual: renovação da frota, ampliação de linhas, instalação de abrigos. Isso é independente do subsídio, estão previstas em contrato, mas a aprovação do projeto na Câmara irá garantir mais agilidade na implementação dessas melhorias”, diz o posicionamento da Prefeitura.
A assessoria de comunicação do Executivo também destacou que “a tarifa no transporte público coletivo vem aumentando há alguns anos em todo o Brasil. Uma forma que os municípios estão adotando para que este aumento não chegue nos bolsos dos passageiros é o subsídio por parte das prefeituras. Este instrumento é muito importante para que os usuários do transporte tenham uma tarifa acessível”.
Na reunião do CMTT, realizada no dia 12 de abril, o gerente da Unidade de Negócios da Cisne, Ely José de Almeida, em entrevista ao portal DeFato Online, afirmou que sem um novo subsídio por parte da Prefeitura de Itabira o preço da passagem de ônibus deve subir na cidade.
“Isso já está gerando um transtorno para a empresa e pode fazer com que a população, de repente, pague uma tarifa muito maior, podendo chegar a R$ 7,00 em um novo estudo tarifário. Há sim a possibilidade da população arcar com essa situação”, revelou Ely de Almeida.
Entenda os subsídios em Itabira
Caso o projeto de lei 09/2023 seja aprovada pela Câmara de Itabira, a Transportes Cisne receberá, em dois anos, R$ 34.979.015,28 para que reduza e congele o preço da passagem de ônibus na área urbana em R$ 3,00.. Em 2023, de março a dezembro, a empresa receberá um total de R$ 15.899.552,40; já em 2024, esse valor será de R$ 19.079.462,88. O custo mensal do subsídio aos cofres públicos será de R$ 1.589.955,24.
Porém, o texto não apresenta um prazo de validade para o pagamento desse subsídio. Dessa forma, em caso de aprovação, a matéria pode criar uma despesa permanente para o município — que, levando em consideração os valores atuais, poderá repassar até R$ 187.614.718,32 durante os dez anos de contrato com a Transportes Cisne, caso subsídio siga valendo nesse período.
Além do transporte urbano, também tramita no Legislativo o projeto de lei 29/2023, que trata do subsídio ao transporte interdistrital, que circula pelas comunidades rurais e distritos de Ipoema e Senhora Carmo. A proposta prevê a redução de 52% do valor cobrado nas passagens em cada um dos trajetos. Para isso, o município subsidiará mensalmente R$ 100.492,46 — sendo pagos R$ 904.432,14 em 2023 e outros R$ 1.205.909,52 em 2024. Em dois anos, o valor total repassado às empresas chegará a R$ 2.110.341,66.
Assim como no caso do transporte urbano, esse subsídio para o sistema interdistrital também pode se tornar uma despesa permanente no município. No mesmo cenário de dez anos, caso não haja alteração nos valores e tarifas e o subsídio seja mantido, esse montante pode somar R$ 11.757.617,82.
Somados, os valores a serem repassados tanto para a Transportes Cisne quanto para o transporte interdistrital, o impacto nos cofres públicos municipais poderá ser, em dez anos, de R$ 199.372.336,14.
Tarifa zero
Diante desse cenário, em que assalariados com até R$ 2 mil podem não ter impacto financeiro com a redução no valor da passagem de ônibus, a tarifa zero se mostra um caminho que pode trazer benefícios à todos os usuários do transporte público municipal.
Ao menos 67 cidades brasileiras já adotam a tarifa zero em todo o seu sistema de transporte, conforme reportagem da BBC Brasil, publicada em seu site. Os dados levam em consideração um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), atualizado em março de 2023. Tratam-se de cidades pequenas e médias, com populações que variam de 3 mil a mais de 300 mil habitantes — um perfil populacional no qual Itabira se encaixa.
Os dados da NTU publicados pela BBC Brasil também apontam que outros sete municípios adotam a tarifa zero de forma parcial: em dias específicos da semana, em parte do sistema ou apenas para um grupo limitado de usuários. Além disso, ao menos quatro capitais estudam, neste momento, a possibilidade de adotar a tarifa zero em seus sistemas de transporte: São Paulo, Cuiabá, Fortaleza e Palmas, de acordo com levantamento da área de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).