Há 365 dias Barão de Cocais vem sofrendo os impactos de um rompimento de barragem que não aconteceu. A lama invisível de Sul Superior ainda atormenta uma cidade inteira que viveu meses de angústia à espera do colapso da estrutura de rejeitos da mina de Gongo Soco, sob responsabilidade da Vale. Um ano após o alarme que mudou completamente a rotina de uma cidade pacata, moradores ainda tentam retomar suas vidas à normalidade. Agora, com mais uma barragem em alerta (Sul Inferior).
Em 8 de fevereiro de 2019 a sirene da barragem soou pela primeira vez na mina de Gongo Soco. Moradores das comunidades rurais de Socorro, Piteiras, Gongo Soco e Tabuleiro tiveram que abandonar às pressas suas casas e não mais voltaram. Desde então, os atingidos pelo risco iminente de rompimento lutam com a mineradora pela garantia de seus direitos.
Impacto Social
Ex-morador de Socorro, o professor Nicólson Pedro de Rezende, que também é membro da comissão dos atingidos, lembra que hoje os evacuados estão sofrendo danos sociais incalculáveis. Segundo Nic, quando foram levados para hotéis e posteriormente para casas alugadas em Barão de Cocais, a Vale assumiu o compromisso de capacitar os evacuados para que pudessem procurar trabalho na cidade, uma vez que muitos tiravam o sustento das atividades rurais.
“O impacto social da lama invisível só vai ser vencido daqui alguns anos. A Vale se comprometeu a oferecer cursos profissionalizantes para os moradores das comunidades. São pessoas, em sua maioria, que tinham seu sustento da roça, das atividades rurais. Elas não têm conhecimento e experiência para trabalhar na cidade. Para viver aqui, as pessoas precisam aprender uma profissão. Só que até o momento, nenhuma ação do tipo foi proposta pela empresa”, disse.
Impactos culturais e religiosos
Nicólson também destacou os impactos culturais e religiosos sofridos pelas comunidades. Além dos registros pessoais históricos de cada morador, a área esvaziada também possui marcos religiosos.
A conhecida festa de Mãe Augusta do Socorro foi celebrada no ano passado, pela primeira vez, fora da sua histórica igreja. No dia 18 de agosto, a comunidade se reuniu na estrada que dava acesso ao distrito e celebrou a tradição de fé.
“Tínhamos o registro de três religiões com sedes nas comunidades. A igreja de Mãe Augusta do Socorro, com mais de 280 anos, um dos patrimônios culturais mais ricos de Barão de Cocais; igreja evangélica e o único centro de umbanda registrado no município. Todos esses templos de fé existiam nessas comunidades”, ressalta Nicólson.
Agravantes
Além do primeiro susto, em 8 de fevereiro de 2019, a cidade ainda viveu outros dois ápices de desespero coletivo: no dia 22 de março, quando a sirene tocou novamente e o nível da barragem aumentou para 3, com iminência de rompimento e no dia 16 de maio, quando a Vale informou ao Ministério Público sobre movimentação de um talude na Cava Norte, que estava deslizando e poderia causar danos ainda não calculáveis à barragem.
Em 26 de janeiro deste ano a Vale comunicou que outra barragem na mina de Gongo Soco teve seu nível de segurança elevado para 2. Segundo a mineradora, em razão das fortes chuvas na região, ocorreu uma erosão na parte interna do reservatório da estrutura, que se mantém estável.
Saúde mental em xeque
Um levantamento de dados feito a partir da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume) de Barão de Cocais no ano passado mostra que houve um aumento vertiginoso na utilização de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos na cidade, além do aumento de 50% na procura por profissionais da saúde mental desde o anúncio de risco iminente de rompimento de barragem.
De janeiro a julho de 2019, comparado com o mesmo período em 2018, o estudo aponta uma quantidade quase nove vezes maior: o número de unidades de Fluoxetina entregues pela farmácia básica de Barão de Cocais passou de 45 mil nos sete primeiros meses de 2018 para 398 mil neste ano. Convertendo em caixas com 28 cápsulas, seriam 14.239 caixas contra 1.609. A população atual do município é de 32 mil pessoas.
Mudanças na promotoria
Em um ano a cadeira que representa o Ministério Público na cidade foi ocupada por três promotores diferentes e está atualmente vazia. As alterações começaram em junho do ano passado, quando Cláudio Fonseca, que foi promotor da cidade por seis anos, conquistou uma promoção por tempo de antiguidade e foi transferido para Mariana. Cláudio continuou auxiliando nas ações contra a Vale pelo risco iminente de rompimento da barragem Sul Superior como colaborador.
Assim, a promotora Isadora de Castro Silva assumiu o cargo na promotoria no dia 18 de junho. Dois meses após sua entrada no Ministério Público da cidade, Isadora foi aprovada no concurso do Tribunal de Justiça como juíza substituta.
Em seguida, a promotora Clarisse Perez Nascif assumiu o cargo em Barão. No entanto, no dia 8 de janeiro, a representante do MP na cidade entrou de licença por conta de sua gravidez. A assessoria do órgão confirmou seu afastamento.