João Izael Querino Coelho é dono de uma façanha inédita na história de Itabira. É o único político que conseguiu se reeleger prefeito, até aqui. Ele ocupou o cargo em dois mandatos consecutivos: 2005/2008 e 2009/2012. Uma proeza e tanto. Afinal, o eleitor dessas bandas vive sob o signo da mudança.
Os conterrâneos de Drummond têm a exótica mania de alternância de poder a qualquer custo, independente de êxito ou fracasso do “mandarim” de ocasião. Mas – só para incomodar- a narrativa a seguir começa com notável reflexão de Karl Marx, o “ídolo maior” do presidente Jair Bolsonaro: “a história acontece como tragédia e se repete como farsa”.
Corria o ano de 2011. João lzael planejava fechar o seu segundo mandato com chave de ouro, noves fora a UNIFEI. A cereja do bolo seria a construção de um boulevard, na região central. A magnífica obra- com uma extensão de 1.300 metros – começaria na avenida Cristina Gazire, próximo ao campo do Grêmio, e se estenderia até o início da rua Santana.
O canal – que continuaria a céu aberto- receberia adornos de jardineiras. Haveria, ainda, vários pontos de travessia para pedestres durante o percurso. O sistema de iluminação seria embutido. E o mais importante: a praça Doutor Acrísio Alvarenga passaria por completa revitalização. A popular “pracinha redonda” ainda ganharia um “estiloso” coreto.
A grande realização urbanística – um misto de praticidade com embelezamento – teria um custo de R$ 8 milhões. Esse recurso viria de um empréstimo junto ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). A dívida seria amortizada em parcelas a perder de vista, com juros baixíssimos. Era um negócio da China. Mas esse valor não cairia do céu. A Prefeitura arcaria com uma contrapartida de R$1 milhão. Além disso, existia uma perigosa pedra institucional no meio do caminho: a operação bancária necessitaria de aprovação da Câmara de Vereadores. Esse detalhe era nó godio de futuro arranca-rabo. E aí a vaca começou a tomar o rumo do brejo.
O secretário de governo era o experiente Oldeni José dos Santos – vereador por três mandatos e ex-presidente da Casa Legislativa. Era o homem ideal no lugar exato. Tinha tudo para dar certo. Mas, não. Santos não quis ser o mesmo de sempre. Preferiu desmistificar velhos costumes da política local. O seu propósito maior era botar um ponto final no clientelismo.
“Comigo, esse papo de governo de coalizão não tem vez”, garantia. O relacionamento entre a Prefeitura e o Legislativo sempre funcionou na base do tradicional toma-lá-dá-cá. Faz parte do show. Mas Oldeni não abria mão de mudar tudo. “Aqui não vai ter esse tal troca-troca com vereadores”. O “primeiro-ministro” izaelita recitava essa cantilena, o tempo todo, nos corredores do paço municipal. E só faltava complementar: “tem vereador aí que é um autêntico saco sem fundo”.
E veio o dia da fatídica votação. A tragédia pré-anunciada aconteceu com toda a dramaticidade possível. O Legislativo, na ocasião, era formado por onze parlamentares. Seis deles jogaram uma pá de cal no sonho colorido. Assim, o futuro majestoso boulevard foi para o beleléu. E pior. Os edis insatisfeitos formaram um G6 e decidiram desafiar a Prefeitura.
Nesse cenário, uma postura individual foi emblemática: José Celso de Assis, o decano dos vereadores – sempre conciliador e eternamente situacionista – abandonou o Titanic. A intensidade da crise política aumentava perigosamente. A perda do boulevard foi apenas um cartão amarelo para o Executivo. A caixinha de maldades dos vereadores estava repleta de péssimas intenções.
Izael percebeu a gravidade da encrenca e decidiu mover as pedras no tabuleiro “palaciano”. Primeira jogada: despachou Oldeni para a Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude. Esse local era um legítimo abrigo para o professor de educação física (a profissão do titular da pasta da confusão). Segunda mexida: nomeou Elaine Campos para o cargo de secretária de Governo. Sebastião Campos – competente coordenador político do primeiro mandato do Governo João – “psicografaria” as ações de sua irmã, Elaine.
E xeque-mate. Foi Batata. Com muito pouco tempo, o G6 virou G0. Um indicativo do começo de um novo período de bonança na política itabirana: José Celso reembarcou com desenvoltura na nau governista. “Eu adoro Elaine”, justificou o mais antigo dos vereadores.
Moral da história: João Izael perdeu os anéis, mas não ficou sem os dedos. Perdeu o boulevard, mas conservou o mandato. Os compêndios da história de Itabira um dia registrarão: numa época – em pleno século XXI – a coalizão de Mato Dentro se fez água. Consequência da ousadia política: uma forte colisão entre os poderes provocou a demolição de belíssimo boulevard, na região central da cidade.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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