O Japão é o melhor dos mundos para se viver. Um autêntico paraíso. O senso comum é o maior avalista dessa percepção. A Terra do Sol Nascente é o grande sonho de consumo dos filhos de japoneses do Brasil (os nisseis). E essa sensação de bem-estar tem razão de ser. Afinal, o paraíso asiático conta com pleno emprego, excelente padrão social e eficiente sistema de segurança pública. Praticamente não há motivos para preocupações. Era assim. Esse cenário sofreu uma radical transformação. De repente, duas perigosas pedras apareceram no meio do caminho da eterna tranquilidade nipônica: uma misteriosa bactéria e os efeitos de fenômenos geológicos de alto risco (as ameaças de tsunami).
Veja um exemplo recente do mau humor da natureza. Na manhã de 3 de março, um forte tremor de terra (com intensidade de 7.5 na escala Richter) fez um estrago danado em Taiwan, República da Ásia Oriental, bem próxima do Japão. O sismo causou a morte de dezenas de taiwaneses. Mais de 800 pessoas ficaram feridas. O evento repercutiu no Japão. O arquipélago sofreu dois abalos em sequência: um com magnitude 6.6 às 21h35 e outro de 6.3, por volta das 21h46. Imediatamente as autoridades emitiram o já manjado alerta de tsunami. Não aconteceu nada, ainda bem. A população japonesa já se acostumou com as eventuais “visitas” de ondas gigantes. A coisa até faz parte da paisagem local.
Nesse momento, os meios de comunicação divulgam uma informação bastante preocupante. A rápida proliferação da misteriosa e letal bactéria streptococcus pyogenes (síndrome do choque tóxico estreptocócico-STSS) coloca o planeta em estado de alerta. O microrganismo recebeu o sugestivo apelido de “bactéria devoradora de carne”. Esse cognome é péssimo indício. E pior. Aqui não se fala de escatológico filme de ficção, mas de assustadora realidade.
O “bichinho” invisível toma todo o organismo da vítima. Essa invasão súbita provoca febre alta, dor de cabeça, dores musculares, náusea, vômito e diarreia. Em casos extremos, o quadro avança para falência dos órgãos e necrose (morte das células dos tecidos corporais). E tem mais um aspecto desesperador. As vítimas- quando não morrem em até 48 horas- podem sofrer amputação dos pés ou das mãos.
No ano passado, o governo japonês registrou 941 casos da doença. O índice de letalidade encontra-se na casa de 30%. Esse panorama, porém, complicou muito nos primeiros meses de 2024. Até agora, foram diagnosticadas 517 incidências da moléstia. O contágio acontece por meio de secreções (gotículas de saliva, por exemplo) e contato físico.
Os moradores do interior de Ouro Preto recitam um ditado popular, que é muito apropriado para esse drama patológico: “cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça”. Há três anos, o espécime humano quase foi dizimado pela pandemia da Covid-19. Então, é bom botar as barbas de molho. “Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça”. Por ora, a encrenca está restrita ao Japão. Até quando?
Esse é o instante oportuno para uma perturbadora reflexão: a humanidade tem imensa dificuldade em lidar com extremos. Os habitantes desse “asteroide” ficam num mato sem cachorro diante do infinitamente grande (os confins do universo) ou do infinitamente pequeno (vírus, bactérias, micróbios e similares). Convém rezar, se é que apenas essa atitude adiantará alguma coisa.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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