A Vale está sendo investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), do estado do Pará, após ser constatado que a mineradora vendeu ouro para o exterior do país sem o devido pagamento dos royalties por ao menos dez anos. Segundo a CPI, o minério teria sido extraído de duas minas de cobre exploradas pela empresa nos municípios de Canaã dos Carajás e Marabá, no sudeste do estado.
A empresa, que nega as irregularidades, deixou de pagar R$446,7 milhões referentes à CFEM (Compensação Financeira por Exploração Mineral) pela exploração do ouro nas duas cidades.
Também conhecido como o royalty da mineração, o CFEM é cobrado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão federal que regula o setor no Brasil, com as receitas divididas entre a União, estados e municípios onde ocorre a extração e onde estão situadas as minas. A maior parte do tributo fica com os municípios.
As CPIs do Pará também calculam que a omissão das vendas do ouro pela Vale resultou numa diferença de R$ 20 bilhões na balança comercial brasileira. As informações foram levantadas pela CPI da Assembleia Legislativa do Pará – concluída em maio deste ano – e pela CPI do Salobo, da Câmara de vereadores de Marabá, cujo término está previsto para dezembro.
Procurada pela reportagem do UOL, a Vale afirma que “efetua regularmente o recolhimento dos tributos e paga os impostos de acordo com a legislação específica do tema”. Já a ANM disse “desconhecer a situação”, admitindo, porém, que “existem diversos processos de cobrança de CFEM no âmbito administrativo tendo como polo passivo a Vale, mas nenhum relacionado à exploração de ouro em Marabá e Carajás”.
A CPI da Assembleia paraense contratou a empresa a consultoria da MC Consultoria Empresarial para analisar os relatórios de produção, balanços financeiros e informações prestadas pela mineradora ao Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior da Receita Federal).
Segundo as conclusões da consultora, a empresa declarou a exploração e venda de ouro em seus balanços, mas não em seus relatórios de produção. Na suposta tentativa de ludibriar o fisco, o ouro foi classificado como “subproduto do cobre”.
Para chegar a esses valores, os vereadores de Marabá consideraram a cotação do ouro no mercado financeiro, caso o ouro não tivesse sido classificado como subproduto do cobre. A conclusão dos débitos da empresa com o município de Marabá foram embasados a partir das informações enviadas pela CPI da Assembleia Legislativa do Pará.
O relatório parcial da CPI de Marabá acusa que a empresa extraiu 7,7 milhões de toneladas de cobre da mina de Sossego e Salobo, entre 2012 e 2022, o que equivale a R$ 65,4 bilhões, sobre os quais pagou, somente, R$ 1,2 bilhão do CFEM. No período, a mineradora produziu 93,2 toneladas de ouro, cadastrados como subproduto de cobre, conforme o balanço da empresa. Foram declarados somente R$ 832 mil como valor de venda.
Mas a CPI de Marabá afirma que esse valor real deveria ser de R$ 320,00 o grama, ou seja, 93,2 toneladas deveriam custar R$ 29,8 bilhões. A CFEM provável, de 1,5% sobre o valor da venda do ouro, portanto, seria de R$ 446,7 milhões.
De acordo com o relatório parcial da CPI do Salobo, enquanto o ouro na contabilidade final da Vale enriquece os acionistas, para o povo de Marabá é apenas um subproduto do cobre.
O relatório parcial da CPI do Salobo adverte que “tais riquezas não podem passar despercebidas, pois demonstram a grandiosidade mineral do estado do Pará, enquanto sua não declaração reduz o estado a uma pequenez não condizente como sendo a maior província mineral em atividade no mundo”.
A CPI da Vale na Assembleia paraense, em seu relatório final, divulgado em maio de 2021, consultou todas as pendências tributárias da Vale, e constatou que a empresa, na época, enfrentava 50 processos administrativos e judiciais referentes ao imposto da CFEM.
A assessoria de imprensa da ANM disse ao UOL que a Vale hoje responde a 124 processos administrativos e judiciais que tratam da cobrança da CFEM. Para os deputados estaduais do Pará, a postura da Vale é “inaceitável”.
No relatório, a CPI disse que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiu, em junho de 2007, que a base de cálculo da CFEM é “o faturamento líquido correspondente às receitas de venda do produto mineral”, conforme manda a Lei 8001/90, “excluídos os tributos incidentes sobe a comercialização, bem com as despesas de transporte e de seguro do produto mineral”, nos termos do decreto 1/1991.
A CPI paraense acredita que a Vale recorra à Justiça como forma de protelar os pagamentos, utilizando-se para isso dos vários recursos cabíveis no ordenamento jurídico.
Procurada pelo UOL para comentar as suspeitas da CPI, a mineradora disse que “o produto final das minas do Sossego (Carajás) e Salobo (Marabá) é o concentrado de cobre”.
A empresa acrescenta que a CFEM é paga “de acordo com a legislação específica do tema e se baseia na precificação desse concentrado, que já prestou esclarecimentos à Assembleia paraense e está à disposição dos vereadores de Marabá”.
A Secretaria de Fazenda do Pará, disse em e-mail, não ter qualquer relação com a cobrança da CFEM, já que o tributo é de competência federal, e em “razão do sigilo fiscal”, não pode informar se está em litígio com a mineradora.
As prefeituras de Marabá e Carajás, também procuradas pela para comentarem o fato, até a publicação desta reportagem não se manifestaram.