Representantes da Vale anunciaram ontem (18) aos moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista e adjacências, que a empresa irá iniciar a construção da segunda Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ2) – projeto que faz parte das obras de descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, que compõem o Sistema Pontal. Para a construção ser realizada, mais 17 famílias – que já estão em processo de negociação com a mineradora – serão removidas da região.
Com início das obras previsto para o mês de maio, o “mega-muro” será construído dentro da área da Vale, terá 330 metros de extensão e será composto por diversas estacas metálicas tubulares, com no máximo seis metros de altura externa – além de vários metros de perfuração interna ao solo. Segundo a empresa, as obras começarão com a montagem das estruturas de acesso, para depois seguir ao processo da cravação das estacas, utilizando a mesma tecnologia envolvida nas obras da ECJ Coqueirinho, finalizada em 2022. A previsão é que a ECJ2 seja entregue no primeiro semestre de 2025.
Estas foram as únicas informações concretas repassadas aos mais de 100 moradores que estiveram presentes na reunião realizada no Centro Pastoral da Igreja São José, que durou quase duas horas e meia e foi encerrada com revolta e mais perguntas do que respostas. A empresa não detalhou por onde a mega-estrutura será construída, se limitando apenas a dizer que o muro será levantado em “região específica do bairro Bela Vista”. Outro ponto de revolta surgiu após Marcelo Cabral, gerente de relacionamento da Vale com a comunidade, comunicar que nenhuma outra família (além das 17) seria “removida” do bairro, sem anunciar um plano para mitigar os impactos sociais, psicossociais e de segurança pública às centenas de pessoas que ficarão na comunidade e se tornarão vizinhas à estrutura de concreto e aço.
Medo, insegurança e incerteza
“Quanto vale um homem?”. Esta era a frase estampada em um cartaz amarelo, com letras pretas e desenho esverdeado da logomarca da Vale, tendo como referência uma frase de Carlos Drummond de Andrade. Antes afixado à parede, o questionamento/protesto silencioso foi levantado no fim da reunião pela garota Ayla Barbosa, que tem 10 anos e desde os 5, sofre com crises de pânico pelo temor às barragens. Ivy Mara Barbosa, irmã da pequena, foi além e levantou questionamentos sobre o que será feito pela mineradora com a desvalorização dos imóveis que restarão na comunidade, e também, quais as estratégias de segurança pública estão sendo elaboradas para as casas vizinhas ao “mega-muro”.
“Sabe o que, por exemplo, na minha rua vai acontecer? Meus vizinhos vão sair. Até a esquina da minha casa não vai ter ninguém, eu vou ser vizinha de um muro. Quando eu descer de um ônibus às 11 horas da noite, eu não tenho nem vizinhos. Como vai ser a segurança pública? Acredito que, como a maioria daqui, a única coisa que nós temos é a nossa casa. O valor da nossa casa já não é mais o mesmo. Se nós colocarmos à venda, nós temos uma placa de risco na porta”, disse a cirurgiã-dentista. Como resposta, o gerente de relacionamento da Vale se limitou a dizer que era uma “ótima pergunta” e que essas questões, agora, serão discutidas de forma coletiva.
Ivy Mara também havia apontado que a Lei nº 23.795, de 15/01/2021, instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens, que garante à população o direito de negociação coletiva. “Eu queria entender por que a Vale, antes de fazer uma proposta coletiva, foi oferecer propostas individuais, diminuindo a força da população dos atingidos. Porque à medida que cada um resolve o seu próprio problema, o restante da população fica desassistida e a gente diminui as nossas forças”. Desta vez, Marcelo Cabral afirmou que as negociações individuais partiram “do exercício da autonomia dessas pessoas”.
Outros moradores da comunidade, como Maria Inês de Alvarenga e Gieser Coelho – figuras constantes nas reuniões com a mineradora – entoaram o coro de reclamações e questionaram “Onde está o Plano de Reparação integral dos Atingidos do Sistema Pontal?”, que prevê a reparação integral da comunidade e também está presente na Lei nº 23.795. Na visão dos dois – e de outros moradores -, a intenção da Vale é desmobilizar e enfraquecer o movimento dos atingidos, vencendo-os pelo cansaço.
“Toda essa indignação que está acontecendo é fruto da desinformação”
Foi com essa frase no início de sua fala, que Péricles Mattar, gerente de projetos da Fundação Israel Pinheiro (FIP), se dirigiu à comunidade. Representante da instituição responsável pela Assessoria Técnica Independente (ATI) aos moradores da região, Péricles afirmou ser fundamental a elaboração de um cronograma mensal de reuniões e ações da Vale, onde a mineradora informasse de maneira objetiva as informações aos atingidos.
“Está todo mundo cheio de dúvida, as dúvidas permanecem. Por mais que a gente tenha apresentações, as dúvidas permanecem. Isso vai se clareando com o dia-a-dia, com o nosso contato [da FIP] com os atingidos. Nós temos visto isso de uma maneira muito prática, que toda a desconfiança está sendo vencida. E nós estamos fazendo todos os registros necessários para se criar um conjunto de provas que existe um grande volume de violação de direitos nesse processo.”
Péricles afirmou que a Vale tem cumprido as suas obrigações legais com relação ao descomissionamento de barragens, porém, há muita resistência por parte da mineradora para tornar a relação com os atingidos mais “aberta e participativa”. Para isso, ele reafirmou que uma equipe da FIP – composta por advogados, psicólogos, assistentes sociais, arquitetos e engenheiros – têm auxiliado a população e redigindo relatórios que comprovam a violação de direitos.