O candidato que ditou o tom da campanha à Prefeitura de São Paulo em 2024 está fora da disputa. Pablo Marçal (PRTB) deixou escapar um lugar no segundo turno por pouco mais de 50 mil votos. O fracasso se confirmou 48 horas depois de um dos mais controversos atos de sua campanha, a divulgação de um laudo psiquiátrico falso, que forjava um surto psicótico grave por uso de cocaína, na tentativa de prejudicar o adversário Guilherme Boulos (PSOL). A farsa tirou do ar as redes sociais do influenciador digital, sob determinação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP), e levou as polícias Civil e Federal a abrir investigações.
O resultado é que Marçal, que havia iniciado a campanha na faixa dos 10% de intenções de voto e chegou às vésperas do primeiro turno com chances reais de ir para o segundo, na disputa pela maior cidade brasileira, e se confirmar como um nome relevante para a direita no País, agora corre o risco de se tornar inelegível por oito anos, além de pegar até o mesmo tempo de prisão por crimes contra a honra e uso de documento falso na eleição. Questionado, Marçal havia afirmado, antes da votação, não ver “delito” em publicação de laudo, ainda que falso, e que o ônus de desmentir seria de Boulos — “a contraprova é dele”, disse em entrevista, no sábado (5).
Ontem, depois de votar faltando apenas cinco minutos para o fechamento das urnas, Marçal minimizou a publicação do laudo falso contra Boulos e disse que foi seu advogado Tássio Renam que fez a publicação. “Vocês podem falar com o Tássio Renam. Ele que postou, na hora da postagem eu estava no [podcast] ‘Inteligência Limitada’. Ele mesmo postou. E a gente tá 100% em paz”, afirmou.
A Polícia Civil confirmou a falsificação do documento no sábado. O influenciador ironizou, ao dizer que a perícia estava “de parabéns” por trabalhar no final de semana, o que, segundo ele, não ocorreu no episódio em que ele levou uma cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) durante um debate.
Revolta e família
A filha do médico José Roberto de Souza — cuja assinatura falsa foi usada em um documento divulgado por Pablo Marçal para atacar Boulos —, havia pedido no sábado à Justiça de São Paulo que declarasse o influenciador inelegível. Caso a candidatura não fosse barrada, a ação pedia que, ao menos, houvesse a anulação da eficácia de todos os votos dados ao candidato do PRTB.
O pedido para tirar Marçal da corrida à prefeitura paulistana não foi protocolado na Justiça Eleitoral, mas na Justiça Comum, na 13ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
Trata-se de um foro incomum para esse tipo de ação, mas a família de Souza entendeu que a ação popular era cabível no caso em razão de seu objetivo: “proteger o patrimônio público, da legalidade e da moralidade administrativa”.
O documento é subscrito pelo advogado Felipe Torello Teixeira Nogueira, que diz ter atuado também para o médico José Roberto de Souza, já falecido. O advogado apresentou à Justiça documentos para “atestar a total diferença nas assinaturas” entre o laudo falso divulgado por Marçal e outras rubricas de Souza em procurações. Também pediu que o Conselho Regional de Medicina atestasse que o médico jamais foi psiquiatra, e sim hematologista.
O caso Francischini
No primeiro turno das eleições de 2018, o ex-deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (PSL), do Paraná, abria uma live para espalhar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, pavimentando a cassação de seu mandato em 2021. Seis anos depois, a divulgação, por Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo, de um laudo falso para atacar um adversário levaria à inelegibilidade do ex-coach? Especialistas consideram que os casos são unidos pelo método — a disseminação de desinformação – mas apresentam uma série de diferenças como o fato de o episódio de Marçal envolver um delito tipificado no Código Penal.
O caso de Francischini fez história por ser o primeiro político cassado por disseminação de notícias falsas – no caso, contra o sistema eleitoral. Conforme decisão dada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2021, o bolsonarista está inelegível por oito anos, contados a partir de 2018, ou seja, até 2026. A avaliação dos ministros foi a de que Francischini fez uso indevido dos meios de comunicação e cometeu abuso de autoridade em transmissão ao vivo no Facebook no primeiro turno das eleições de 2018. Na ocasião, o então candidato disse que as urnas estavam fraudadas e impediam o voto na chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão. O vídeo de cerca de 18 minutos alcançou mais de 6 milhões de visualizações.
Agora, especialistas em direito eleitoral avaliam que Marçal pode ser enquadrado também por uso indevido dos meios de comunicação e por outros crimes: injúria, calúnia e difamação eleitoral; falsidade documental para fins eleitorais; divulgação de fato sabidamente inverídico; e até associação criminosa.
A avaliação é de que os casos Francischini e Marçal envolvem a divulgação de fake news de forma maciça pelas redes sociais. Os especialistas dizem que o modo de agir verificado nos dois casos é semelhante, via a divulgação de informações sabidamente falsas com o intuito de desequilibrar o pleito.