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A Guerra de Putin e o Risco de Estagflação Global

Lula

Desde o dia 24 de fevereiro, o mundo assiste perplexo a invasão da Ucrânia pela Rússia, que pode se transformar na maior crise humanitária do século XXI e ainda abalar a frágil economia global que ainda tenta se recuperar da pandemia provocada pelo Covid-19.

Um século tão novo e que em apenas 22 anos já nos fez conviver com quatro grandes eventos sistêmicos que abalaram o planeta. Pela ordem, o ataque às torres gêmeas, a crise financeira de 2008, a pandemia do Covid-19 e agora, a guerra entre Rússia e Ucrânia.

O pior efeito colateral da pandemia foi a inflação global provocada pelo aumento de commodities, em um primeiro momento pelos alimentos, em especial, milho e soja, e, em um segundo momento, pela energia, com a disparada dos preços do barril de petróleo.

Quando o nível de preços das commodities agrícolas começou a se estabilizar e até mesmo recuar, quando a OPEP + começou a repor o corte de 9 milhões de barris/dia de petróleo, feito em abril de 2020, quando parecia que um novo acordo com o Irã poderia aumentar a oferta de petróleo global segurando os preços da commodity e consequentemente a inflação global…A Rússia invadiu a Ucrânia.

Não se trata simplesmente de um conflito entre duas nações, mas de uma nova rodada de desarranjo nas cadeias produtivas globais e um novo e duro choque de preços que pode jogar a economia global no pior dos cenários: o de estagflação. 

E o que é estagflação? Na prática é o pior dos mundos para uma economia, uma situação simultânea de estagnação ou até mesmo de recessão da atividade econômica com elevação generalizada de preços, ou seja, inflação. Em geral, o processo inflacionário tem origem em um aquecimento da atividade econômica que eleva a demanda por produtos e serviços provocando a alta do nível de preços. Por isso o remédio tradicional é a elevação da taxa de juros que torna o investimento em ativos financeiros mais atrativo e desestimula o consumo de bens e serviços.

O fenômeno estagflação ocorre diante de um funcionamento atípico da economia como o que vivenciamos na pandemia e o que estamos vivenciando novamente após a invasão da Ucrânia pela Rússia. A ausência de vacinas e medicamentos para o combate à pandemia do Covid-19 provocou o isolamento social que derrubou em um primeiro momento o consumo de petróleo levando os produtores a promoverem um corte de 9 milhões de barris/dia na oferta mundial.

O surgimento e a eficácia das vacinas trouxe de volta a mobilidade e o consumo da commodity sem que houvesse a mesma velocidade na recomposição da oferta, e, os preços dispararam… Antes da disparada dos preços do barril de petróleo, no início da pandemia, assistimos  também a escalada dos preços da soja e do milho em razão do aumento do consumo e das importações chinesas motivadas pelas consequências da febre suína que dizimou o rebanho chinês e fez com que a criação feita até então por pequenos criadores a partir de lavagem e produção caseira de milho  passasse para o regime industrial de granjas com os animais alimentados por ração.

Estes dois fenômenos, isolamento social e mudança na forma de produção de proteína animal suína na China ocorreram em um ambiente de desaceleração da economia global e mesmo assim convivemos com recordes inflacionários pelo mundo. Mas não entramos em estagflação porque durante o isolamento social que provocou a recessão econômica, os governos agiram prontamente através de políticas fiscais (injeção de recursos) e política monetária  (queda de juros) para que as economias se recuperassem rapidamente dos efeitos desastrosos da pandemia enquanto a vacinação combatia o vírus e propiciava a volta da mobilidade e da atividade econômica.

As políticas implementadas, em geral, surtiram efeito e a economia global se recuperou de forma vigorosa ao longo de 2021. Entramos 2022 com a esperança da volta da normalidade na oferta de petróleo e com os preços das commodities agrícolas estabilizados ou em baixa e por isso mesmo com a expectativa do controle e queda da inflação em nível global.

A maior preocupação de governos, bancos centrais e economistas até o dia 24/02/2022 era saber dosar a retirada de estímulos fiscais (dinheiro injetado pelos governos nas economias) e monetários (velocidade e amplitude de alta de juros) de modo a conseguir o controle da inflação sem prejudicar demais a recuperação da atividade produtiva.

Hoje, assistimos perplexos a outra escalada dos preços de commodities agrícolas e do barril de petróleo de forma ainda mais intensa e descontrolada do que aquela que vivenciamos na pandemia e só a vacina da paz será capaz de estancar o nível esquizofrênico das incertezas na formação dos preços dos ativos reais e financeiros e impedir que a economia global escape de um cenário de estagflação.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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