Na terça feira passada, o ministro Paulo Guedes entregou pessoalmente ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, com a presença do presidente da câmara Rodrigo Maia, a proposta do governo para a Reforma Tributária. Foi dada a largada para o início das discussões e da busca pelo consenso entre as propostas que já existem. Na minha opinião, a reabertura do diálogo entre executivo e legislativo, a sinalização da união desses poderes na busca de reformar o cipoal tributário brasileiro e entregar para a sociedade um ambiente de negócios mais saudável, seguro para empreender, foi o capítulo mais positivo desta história.
De forma proposital o governo limitou a sua proposta à esfera dos tributos federais propondo a unificação do PIS e da COFINS em um imposto único, batizado de CBS ( Contribuição sobre a Receita decorrentes de Operações com Bens e Serviços ) e com a alíquota de 12%. O ministro da economia, Paulo Guedes, deixou claro que o objetivo da proposta é o de somar e contribuir com as que já estão em tramitação no Congresso. Antes da entrega da proposta do governo havia 5 em tramitação sendo a mais adiantada delas a Proposta de Emenda à Constituição, PEC 45, que foi redigida pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, e que conta com o apoio do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
O ponto central da PEC 45 é a substituição de cinco tributos por um imposto único que seria chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Esse modelo é inspirado em sistemas já utilizados em outros países , que reúnem em um único imposto sobre valor adicionado (IVA)toda a tributação sobre o consumo, com uma alíquota uniforme. Os autores dessa proposta afirmam que os impostos que atualmente incidem sobre o consumo no Brasil são complexos , descordenados, cumulativos, repletos de obrigações acessórias e geradores de enorme contencioso e por isso a simplificação do sistema é uma demanda antiga do sistema produtivo brasileiro. O que é a mais pura verdade … mas será que é a proposta mais adequada para o Brasil de hoje? Daí a importância da discussão na busca de um consenso que realmente atenda as demandas do setor produtivo dada a dificuldade que tivemos de caminhar para este momento de reforma. É bom lembrar que desde a posse Fernando Henrique Cardoso, no final do século passado, todos nós já sentíamos na pele e no bolso , a necessidade e urgência de uma reforma tributária e até hoje nada havia sido feito neste sentido, além das promessas de todos os candidatos que foram eleitos.
Antes de entrarmos na análise da proposta apresentada pelo governo, gostaria de chamar a atenção de vocês para a inversão da pauta e ainda para o fato de que não assistiremos a uma redução da carga tributária, mas sim a uma simplificação na forma de arrecadar. Quando eu falo da inversão da pauta é que pela lógica a reforma administrativa deveria vir antes da reforma tributária para diminuir o tamanho e aumentar a eficiência do Estado para depois dimensionar a carga tributária necessária para financiar o Estado na produção de bens e serviços coletivos. Mas em 2020 teremos eleições e é claro, em véspera de eleição os políticos , na sua maioria , se recusam a enxergar a necessidade e urgência em diminuir o tamanho do Estado ou em outras palavras reformar e modernizar os serviços e as carreiras dos servidores públicos.
A proposta do governo de fundir dois impostos, PIS e COFINS, é positiva porque dispensa a reforma da Constituição, mas atinge em cheio o setor de serviços que responde por 70% do PIB e emprega 50 milhões de pessoas. Os negócios do setor de serviços que hoje recolhem 3,65% de impostos terão que arcar com uma alíquota alta demais, de 12%, para as empresas que não estão no Simples. Diferentemente da indústria, o setor de serviços não tem muitas etapas de produção e é formado basicamente por mão de obra, assim, não tem espaço para abater os impostos em fases anteriores e acaba tendo que arcar com uma alíquota alta demais e bem acima daquela que incide hoje sobre o setor.
Outro ponto a ser analisado é a provável cobrança de impostos sobre lucros e dividendos. De novo o prestador de serviço, o profissional liberal pode ser duramente afetado. Uma coisa é taxar dividendos de uma companhia, uma Sociedade Anônima de capital aberto, negociada em bolsa de valores e que distribui o lucro sobre a forma de dividendos aos seus acionistas, e outra é taxar a distribuição de lucros das milhares de pessoas jurídicas que foram criadas no país em função da alta carga tributária que incide sobre o emprego formal, com carteira assinada. Desde a privatização iniciada no governo Collor , passando por Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer, grande parte dos profissionais dos mais variados setores passaram a ser contratados como pessoas jurídicas para prestarem serviços às empresas, vivemos o fenômeno da pejotização da mão de obra qualificada do país, e essas pessoas jurídicas que trabalham, na sua grande maioria , no limite da margem de lucro, dado o alto índice de desemprego no País, são responsáveis em arcar com o plano de saúde da família, com a capitalização para a previdência privada e outros tantos privilégios garantidos pela CLT e que tem ser bancados pelas PJs.
De volta ao começo, a aparente união dos poderes executivo e legislativo pelo bem da sociedade brasileira está criando um clima inédito em se tratando de reforma tributária, o apoio majoritário dos governadores à Reforma e inclusão do ICMS ( principal tributo dos estados) no novo imposto, abre espaço para um cenário favorável de aprovação e de ponto final na guerra fiscal entre os estados, mas os prefeitos, de olho no crescimento do setor de serviços , querem manter o ISS distante do alcance da PEC.
Resumo da ópera: qualquer que seja o desenho da reforma tributária já sabemos de antemão que não teremos uma redução da carga tributária no Brasil. Por isso temos que focar em uma maior justiça fiscal e nesse sentido sou a favor da criação do imposto sobre transações eletrônicas em troca da alta carga tributária que incide sobre a folha de pagamentos. Em linha com o pensamento do ministro Paulo Guedes, a ideia de ampliar a base de arrecadação deveria ser um norte nas discussões, muitos pagando menos, assim como no cálculo e distribuição das alíquotas no caso do Imposto de Renda, quem ganha mais paga mais.
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
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