A qualidade da água em Itabira foi tema de uma audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na ocasião, foi apresentado um relatório do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) que identificou níveis elevados de metais e coliformes fecais em seis pontos de monitoramento no município.
O documento apontava teores elevados de manganês e de fósforo total em todas as amostras, de ferro dissolvido em 66% delas, de alumínio dissolvido em 25% e de sulfetos em 45%. Além disso, foi encontrada a bactéria E. Coli, em 97% das amostras, associada à falta de saneamento básico.
À DeFato, a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), responsável por solicitar a audiência, comentou sobre o assunto e o andamento dos requerimentos.
Reportagem DeFato: Quais foram os encaminhamentos da audiência?
Bella Gonçalves: Eu acho que o principal encaminhamento foi para que o Ministério Público reavalie os prazos do Termo de Ajustamento de Conduta que a Vale estabelece em relação à cidade, por entendermos que os prazos estão extremamente extrapolados e a situação de falta de água ainda é eminente.
A Prefeitura diz que tem trabalhado para que a Vale cumpra esses prazos, para que reduza esses prazos, mas a empresa vem sempre postergando com a anuência do Ministério Público, o que nos parece não adequado para o caso de Itabira.
Também pedimos estudos mais específicos da Secretaria de Saúde para que a gente consiga ter dados mais qualificados sobre o impacto na saúde coletiva da população da contaminação de águas na cidade de Itabira.
Reportagem DeFato: Algum desses pedidos teve resultado?
Bella Gonçalves: Bom, nós ainda não recebemos a resposta do Ministério Público e em relação à Secretaria do Estado de Saúde, ele informou que está construindo um protocolo de estudos epidemiológicos e levantamento de casos de saúde para o município de Itabira.
Respondeu memorando número 162/2024, a nossa solicitação. Mas como a audiência pública aconteceu há não tem tanto tempo, ainda estamos nos prazos regimentais da tramitação dos encaminhamentos na Assembleia Legislativa. Esse inclusive tinha sido pedido anteriormente, mas foi uma resposta nova que chegou.
Tivemos também uma resposta, outro encaminhamento que existiu foi um pedido para que o IGAM, o Instituto [Mineiro de Gestão] das Águas, faça uma análise mais sistêmica do impacto das outorgas de água para o abastecimento hídrico da população. O IGAM deu uma resposta vergonhosa de que a responsabilidade do licenciamento ambiental é da FEAM, o que não é mentira. A FEAM conduz o processo de licenciamento, mas quem deve cuidar das outorgas de água e da disponibilidade hídrica é o IGAM.
Ao dar essa resposta, nós sentimos que ele está se esquivando da sua responsabilidade, que é evidente. Nesse caso também em relação a Itabira. Elas foram respostas mais recentes, a gente tinha mais tempo também de receber respostas e encaminhamentos em relação aos níveis de contaminação da água dos pontos de coleta de Itabira.
Reportagem DeFato: E, agora, a Comissão de Meio Ambiente planeja outra discussão sobre o assunto?
Bella Gonçalves: Com certeza, a comissão vai continuar acompanhando, nós vamos esperar a resposta dos órgãos no prazo regimental, mas seguiremos cobrando respostas em relação a água do município de Itabira.
Em especial, o Ministério Público foi uma ausência muito sentida na nossa audiência pública, porque, se ele me permite, eu acho que o Ministério Público está sendo pouco incisivo diante da gravidade da situação do abastecimento de água de Itabira e nós precisamos que o Ministério Público se posicione.
Os instrumentos que nós temos são requerimentos, pedidos de informação, é audiência pública, e a eles o Ministério Público ainda não respondeu.
Reportagem DeFato: A Vale e a Minax não estiveram presentes no dia dessa audiência, né?
Bella Gonçalves: Não, não, não. A audiência tinha o objetivo de escutar as comunidades atingidas, o município e o governo de Estado, que é quem deve fiscalizar a condição da água. As mineradoras, o que elas precisam fazer é garantir a reparação no prazo adequado para a população.
Reportagem DeFato: Ampliando um pouco mais, como a Comissão de Meio Ambiente costuma lidar com esses casos de contaminação de água pela atividade minerária em outros municípios de Minas Gerais?
Bella Gonçalves: Olha, em geral, o que nós temos é a busca de medidas reparativas. Recentemente nós conquistamos mais uma medida reparativa em relação à fábrica da Coca-Cola, ali em Brumadinho e Itabirito. A fábrica da Coca-Cola secou as nascentes e a partir da nossa medida técnica, da nossa incidência, o Ministério Público aplicou multa e algumas obrigatoriedades para a Coca-Cola.
No caso de Itabira, o caso já está judicializado, então a gente já tem medidas sendo tomadas com o Ministério Público. Em geral, né, cabe às empresas fazer a reparação, garantir uma nova captação de água, que é o que está sendo pensado no caso de Itabira, garantir, quando necessário, caminhões-pipa, abastecimento de água com garrafas de água potável, como aconteceu ao longo do Rio Doce, nas comunidades cometidas por Brumadinho, e pensar reparação.
Nós estamos preocupados com a reparação, mas eu digo que o desejo meu, enquanto deputada, era que a gente conseguisse ter um processo mais incisivo do IGAM, de limitar as novas outorgas de água, porque a legislação federal estabelece que o abastecimento humano, a agricultura e a pecuária, devem ter prioridade no abastecimento de água, frente a qualquer outra atividade econômica que aconteça.
E o que a gente percebe é que, infelizmente, a mineração e outros tipos de indústria estão secando e prejudicando os mananciais de água em prejuízo para a comunidade. E aí é o Ministério Público depois que estabelece termos de ajuste de conduto que vão buscar reparar a situação para os atingidos.
Só que isso não vai fazer uma nascente voltar a ser como antes, um rio voltar a ser como antes. A reparação nunca repara completamente o dano. Então nós queremos fazer outros debates sobre a necessidade de uma análise mais sistêmica da condição dos rios, das nascentes e um cuidado maior que o IGAM precisa ter na conferência da outorga de água.
Hoje o processo de licenciamento ambiental é extremamente simplificado e não considera essa sistematicidade o processo da água.
Reportagem DeFato: Você teria algo mais a acrescentar sobre esse assunto?
Bella Gonçalves: Eu acrescentaria só que o problema da água de Itabira está se arrastando há tempos e não é um problema da gestão atual. É um problema da relação que a Vale historicamente estabeleceu com o município de Itabira.
E que o nosso mandato tem total compromisso em fazer com que os processos andem. Nós vamos cobrar de forma sistemática que as garantias do saque de água de Itabira sejam entregues pela Vale, porque a gente sabe que a construção da nova captação não está nem em fase de licenciamento. Então é preciso que a gente cobre do Ministério Público, reveja esse tema, reveja os prazos e que pense numa medida mais emergencial para que a população não fique sem água.
Recentemente a gente teve uma contaminação por óleo em alguma capacidade de água do município de Itabira e a população ficou desabastecida. Isso não pode se repetir. Uma alternativa que nós temos discutido também é o reforço ao sistema de tratamento.
Como a gente tem a nova captação de água, um processo que vai demorar muito tempo, porque construir dutos, fazer desapropriações leva mais tempo, qual medida mais rápida pode ser adotada? Uma delas é o reforço ao sistema de tratamento do município de Itabira. Então queremos levar esse debate aos demais órgãos públicos para que a gente pare de viver com água contaminando a população e prejudicar na vida do povo Itabira.