Em Itabira, somente ao longo de 2023, já foram registrados no CadÚnico 56 cadastros de beneficiários do Bolsa Família que estão em situação de rua. No ano passado, foram feitos 61 registros. Já em 2021, o ápice da contagem recente, 77 pessoas estavam em tal condição. Os dados chamam atenção e despertam para uma realidade que por muitas vezes é negligenciada e tratada de forma eugenista. Mais de 80% das pessoas em situação de rua são homens e que estão nos espaços públicos por três motivos principais: desemprego, conflitos familiares e uso abusivo de álcool e drogas. Porém, para tentar mudar o cenário, a Casa de Passagem de Itabira vem realizando um trabalho de acolhimento, dignidade e respeito junto à população de rua, onde desde 2021 — ano de sua fundação —, 210 pessoas já foram atendidas.
Em entrevista exclusiva à DeFato, Nélia Cunha, secretária municipal de Assistência Social em Itabira, comentou sobre o tema, explicou sobre o trabalho de auxílio da Casa de Passagem, forneceu números sobre a população em situação de rua na cidade e destacou as ações que vêm sendo realizadas no município.
Casa de Passagem
O olhar para a pessoa em situação de rua em Itabira já existia há tempos, mas durante a pandemia a preocupação se tornou mais alarmante. Enquanto pessoas de todo o mundo voltavam para dentro de suas casas e realizavam a quarentena, muitos se questionavam: “para onde vão as pessoas em situação de rua que não têm casas?”. Neste contexto, em novembro de 2021, surge a Casa de Passagem, quando o município de Itabira tomou a decisão de criar um método que fosse eficiente e que atendesse essa população dentro do modelo da Política Nacional de Assistência Social.
A unidade está localizada na Vila São Geraldo e tem funcionamento 24h, nos sete dias da semana. O serviço é feito exclusivamente para homens adultos, já que as mulheres são encaminhadas diretamente para o aluguel social da Prefeitura de Itabira. A unidade tem capacidade para até 20 pessoas e oferece acolhimento e proteção de forma imediata e emergencial, com um limite de permanência máxima de até 90 dias (3 meses). Durante o período, a equipe composta por vigilantes, cozinheiras, auxiliares de serviços gerais, monitores, assistentes sociais, psicólogos e coordenadores busca promover o resgate de vínculo do indivíduo com a sua família, além de tentar resgatar sua capacidade de retorno ao convívio social e profissional.
A situação em números
- Mais de 80% das pessoas em situação de rua são homens, que estão nessa condição por três motivos principais: desemprego, conflitos familiares e uso abusivo de álcool e drogas;
- A unidade tem capacidade para até 20 pessoas. Desde a sua criação, em novembro de 2021, a Casa de Passagem já registrou 210 atendimentos. Atualmente, 14 pessoas estão sendo acolhidas de forma ‘‘fixa’’ ou em ‘‘pernoite’’;
- Seis pessoas que estavam na Casa de Passagem agora estão inseridas no programa Auxílio Aluguel, recebendo um aporte de R$ 400,00 por mês, em um período de seis meses até um ano, para se reorganizar financeiramente;
- A Prefeitura executa a Casa da Apoio com recurso 100% municipal, já que ainda não recebe aporte financeiro do governo federal. A expectativa é de que isso comece a acontecer em breve, após realização de um cadastro. Todo o trabalho é feito em parceria com a Associação Municipal Assistencial Itabirana (Amai);
- Em Itabira, ao longo de 2023, já foram registrados no CadÚnico 56 cadastros de beneficiários do Bolsa Família que estão em situação de rua. No ano passado, foram feitos 61 registros. Em 2021, quando a contagem atingiu seu ápice, foram 77 pessoas em tal condição;
- Questionada sobre o que poderia colaborar para a queda no número de pessoas em situação de rua, de acordo com o CadÚnico, Nélia não garantiu quais ações foram determinantes para isso, mas acredita que alguns fatores podem contribuir para este cenário em Itabira: o fim da pandemia, acessos a benefícios de seguridade social (Bolsa Família, auxílios emergenciais e a moeda social Facilita), além de uma leve retomada do setor econômico.
Existem auxílios?
Além do acolhimento, hospedagem, higiene e alimentação, na Casa de Passagem também são feitas a orientação para confecção de currículos, auxílio para a retirada de documentos e acesso a benefícios, como: cadastro no CadÚnico, Bolsa Família e cartão Facilita. Tais programas buscam dar autonomia e independência para a pessoa na situação de rua. Através do Bolsa Família, cada indivíduo recebe R$ 600,00. Os itabiranos também possuem direito ao cartão Facilita, a moeda social que fornece mais R$ 140,00 para compra de alimentos e itens de sobrevivência.
Aqueles indivíduos que têm envolvimento com álcool ou outras drogas são assistidos em parceria com o Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS AD). As pessoas também podem acessar outros benefícios, como isenção da taxa para a segunda via de documentos, certidão de casamento, título de eleitor etc. Nélia Cunha também explica que “tem muitos casos de pessoas em situação de rua que às vezes estão como migrantes. Nestes casos, a Assistência oferta transporte para retorno às suas famílias”.
Quando saem da unidade, uma equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) faz o acompanhamento junto aos moradores para monitorar o desenvolvimento no período pós-acolhimento da Casa de Passagem. Todas essas iniciativas de auxílio buscam resgatar os vínculos, os cuidados à saúde e a independência financeira para que os indivíduos tenham acesso ao mercado de trabalho e saiam da situação de rua. “Essas pessoas são pessoas de direitos, a gente precisa dar dignidade para elas. Muitas vezes eles já não lutam por seus direitos”, afirma Nélia Cunha.
“Essas pessoas têm filhos, têm esposa, têm mães, têm pais, têm irmãos. Eles têm família, mas estão temporariamente em situação de rua. Muitos deles estão lá em função de um conflito familiar, problemas com drogas e desemprego. A gente vai até essas pessoas pra entender porque elas estão ali e, muitas vezes, na conversa, quando a gente oferta os benefícios, eles aceitam voltar pra família”, completa a secretária de Assistência Social.
Por que as pessoas às vezes recusam o atendimento?
Atualmente, 14 pessoas estão na Casa de Passagem, de forma permanente ou em ‘‘pernoite’’, que ocorre quando as pessoas utilizam a residência, mas não topam ser assistidas de forma contínua. “Tem pessoas em situação de rua que não querem essa modalidade de acolhimento dos três meses. Elas não desejam construir e fazer esse plano de cuidados, desejam apenas ir lá para tomar um banho, fazer uma refeição e dormir. A Casa de Passagem também oferece isso”, relata Nélia Cunha.
Um desses casos aconteceu recentemente e tomou notoriedade pública. Por cerca de três meses, um casal oriundo de Vitória, no Espírito Santo, esteve acampado em frente à Secretária de Assistência Social e à Prefeitura de Itabira. A situação despertou interesse da população e dos servidores municipais, que ofereceram auxílio à dupla.
“Nós fizemos a abordagem social, checamos se eles tinham benefícios. Eles tinham o Bolsa Família, todos os documentos em dia e se negaram a ir para o abrigo. Na verdade, foram um dia, mas chegando na Casa, a mulher ficou nervosa e deu sinais de transtorno mental, dizendo que não fica em locais fechados. O companheiro da mulher também se negou a permanecer e até tomar banho”, conta Nélia Cunha.
Diante disso, a pasta municipal entrou em contato com a prefeitura da cidade do casal e foi informada que os dois vivem migrando de um município para o outro, em situação de rua. Mesmo recusando o atendimento da Casa de Passagem, uma equipe do CAPS fez todo acompanhamento do casal enquanto esteve em Itabira, até partir para outra cidade.
Entre cinco a sete itabiranos estão nas ruas e por lá querem ficar. Nélia explica que todos eles têm direito aos benefícios de seguridade social, mas não querem voltar para as famílias ou serem assistidos pela Casa de Passagem. Questionada sobre o motivo, ela explica: “desejo deles. A gente tem que respeitar essa escolha sem julgá-los. Essa fala minha eu gostaria de frisar porque as pessoas em situação de rua têm direito de permanecer nas ruas, nos espaços públicos. Os espaços são públicos, o direito deles é o direito igual de qualquer cidadão. Ele só não tem direito, como eu não tenho, de danificar, de sujar e cometer furtos”.
Apesar da baixa ‘‘recuperação’’, o trabalho segue feito e dá resultados
De acordo com a secretária, em todo esse tempo de atuação, “apenas” sete indivíduos — mapeados — conseguiram superar definitivamente a situação de rua. “As histórias de sucesso são mínimas. O limiar de intolerância e frustração deles é altíssimo, até porque estes são alguns dos motivos deles estarem em situação de rua”, diz Nélia. Apesar disso, a secretária afirma: “Para mim, é um sucesso. Se a gente resgatar um, já é sucesso”, finaliza.