O Ministério Público Federal (MPF) em Belo Horizonte (MG) impugnou as defesas apresentadas pela empresa Anglo American e por União, Estado de Minas Gerais, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Agência Nacional de Águas (ANA) na Ação Civil Pública nº 1004809-04.2017.4.01.3800, que pede a cassação das licenças prévia e de instalação da etapa 3 do projeto Minas-Rio.
A mineradora não tem ainda a licença de operação, que é a autorização para fazer funcionar a mina em sua capacidade final. À DeFato, a Anglo American informou que “o processo judicial está tramitando regularmente e a empresa vai se manifestar nos autos.”
Por meio de um sistema integrado de logística, no Minas-Rio, a empresa produz minério de ferro a partir da mina e da usina localizadas em Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro (MG). O minério é transportado por mineroduto até o terminal de minério de ferro do Porto de Açu, em São João da Barra (RJ). A etapa do empreendimento permitirá à empresa alcançar a produção de 26,5 milhões de toneladas por ano.
Ajuizada pelo MPF há exatos dois anos, a ação pedia a concessão urgente de liminar para impedir a concessão das licenças prévia e de instalação da etapa 3 do projeto, mas o pedido não chegou a ser apreciado devido a um conflito de competência entre varas federais de Belo Horizonte.
Posteriormente, em julho de 2018, o MPF aditou a inicial pedindo a cassação das licenças, já haviam sido concedidas pelo Estado de Minas Gerais enquanto a Justiça debatia a competência jurisdicional. O pedido de impugnação foi encaminhado ao juiz da 20ª Vara Federal no dia 30 de agosto, e divulgado nesta quarta-feira (4).
O MPF afirma que as licenças foram concedidas com violação dos direitos dos atingidos, entre os quais estão comunidades quilombolas, que continuam sofrendo os graves e ilegais impactos do empreendimento ante a absoluta indiferença e omissão dos órgãos estatais.
“O que está acontecendo em Conceição do Mato Dentro é de uma crueldade assombrosa, porque revela a total indiferença do Estado e da União, ao longo dos últimos anos, em relação à situação de pessoas que, de uma hora para a outra, foram arrastadas a inúmeras dificuldades pelo poderoso empreendimento econômico”, afirma o procurador regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais, Helder Magno da Silva, que esteve na região por diversas vezes nos últimos anos.
Qualidade da água
O projeto Minas-Rio possui um mineroduto de 525 km de extensão, que, ao cortar o estado de Minas Gerais até o oceano Atlântico no Rio de Janeiro, atravessa grande número de córregos, ribeirões e rios, com portes e vazões diferenciadas e áreas alagadas, interceptando aproximadamente 600 cursos d’água, a maior parte deles integrante da Bacia do Rio Doce.
No caso específico dos impactos noticiados pela ação civil pública, o MPF relata que, previamente ao estabelecimento do traçado do mineroduto, houve o mapeamento das nascentes, de forma que o trecho escolhido não deveria interceptar nenhuma Área de proteção Permanente (APP) em uma faixa mínima de 100 metros, atendendo ao estabelecido na condicionante 2.8 da Licença Prévia”, o que obrigou o empreendedor a ajustar o traçado do mineroduto em três pontos.
“Um empreendimento minerário, além de movimentar terra e material particulado nas linhas de travessias e cruzamento de rios e córregos, descarta nesses mesmos rios efluentes dos testes hidrostáticos, sanitários e das oficinas existentes nos canteiros de obras. Por isso é que o empreendedor deve desenvolver medidas para minimizar o assoreamento dos cursos de água e evitar o comprometimento da qualidade das águas”, explica o procurador da República Helder Magno da Silva, autor da ação.
Segundo o MPF, desde o início da implantação do projeto, inúmeras famílias de Conceição do Mato Dentro e outros municípios foram afetados. A extinção de nascentes, a poluição e o assoreamento de mananciais acarretaram não só a escassez de água, mas também prejuízos à agricultura e pecuária familiares e morte de peixes, com impactos na atividade pesqueira. De forma paliativa, a Anglo fornece a essas famílias galões de água mineral ou caminhões pipa.
Os ruídos e trepidações provocados pelo funcionamento do mineroduto, que causaram não só desconforto, mas problemas estruturais nas residências, com o aparecimento de trincas e rachaduras, são outros problemas apontados pelo Ministério Público Federal.
Ao se defender na ação, a mineradora disse que “os fatos descritos na inicial não podem ser considerados condutas violadoras a direitos humanos”. Para o procurador Helder Magno, “não se pode normalizar situações graves e violadoras de direitos humanos.
“A trepidação das residências é diária; a dificuldade do acesso à água potável e de qualidade é diária; o medo e a desinformação são diários. A situação é tão grave, que chegou ao ponto de cinco lideranças que questionavam o empreendimento terem sido incluídas no Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, diante das ameaças que passaram a sofrer após ingressarem com uma ação popular contra o empreendimento”, destacou o Ministério Público Federal.
Para o órgão ainda existem “muitas dúvidas com relação aos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e ao Relatório de Impacto Ambiental (Rima) e sobre o efetivo cumprimento das condicionantes das fases anteriores, que não foram sanadas pelas autoridades”.