Meu nome completo é Relatório Trimestral de Inflação, nasci em 1999, em Brasília, minha mãe é a política de metas inflacionárias e o meu pai é o Banco Central. Meu padrinho é o Conselho Monetário Nacional, que estabelece a meta inflacionária a ser perseguida pelo Banco Central. A deste ano, por exemplo, tem como centro da meta 4% e, junto com o centro da meta, é estabelecido uma banda de oscilação que em 2020 é de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, a inflação no Brasil em 2020 deve ficar entre 2,5% a 5,5% a.a., e, quanto mais próxima do centro da meta 4%, melhor. Se a inflação sair deste intervalo, o presidente do Banco Central do Brasil tem que enviar uma carta aberta ao ministro da Economia explicando as causas do descumprimento da meta. De certa forma, essa é a razão da minha existência, porque a cada trimestre o Banco Central me divulga e explica o que está acontecendo com a economia global e local, faz suas projeções e indica se está conseguindo cumprir sua missão ou não, e aponta as causas do sucesso ou do fracasso. Dessa forma, a cada 3 meses a sociedade brasileira recebe uma análise detalhada da economia mundial e da economia brasileira diante dos principais eventos globais e do comportamento das principais variáveis econômicas.
O relatório da semana passada é muito importante porque já retrata os números da pandemia do covid-19 e as expectativas do Banco Central sobre o desempenho da economia brasileira diante dos estragos causados por essa verdadeira guerra. A apresentação completa você encontra o site do Banco Central, mas se você não tiver tempo para a leitura de todo o conteúdo acesse a apresentação que traz o resumo das expectativas do BC.
O RTI aponta que no primeiro semestre deste ano devemos passar por uma forte contração do Produto Interno Bruto (PIB), que, no meu entender, será a maior da história. Mas aponta que o fundo do poço da atividade econômica no Brasil foi registrado no mês de abril e que teremos, a partir de julho, início do terceiro trimestre, uma recuperação gradual. Para os técnicos do Banco Central, em nível internacional, a reação dos governos e dos bancos centrais das principais economias mundiais tem apresentado coordenação e dimensão inéditas na história da economia mundial.
Para uma melhor análise da economia brasileira durante a crise sanitária da covid-19, o Banco Central passou a monitorar o consumo de energia elétrica na indústria de veículos, química, papel e celulose e cimento e ainda as vendas ao varejo em determinados setores, como pode ser visto no boxe abaixo:
É visível o declínio abrupto da atividade econômica a partir da segunda quinzena de março, com provável fundo do poço em abril e a recuperação desde então. Nota-se também que o impacto inicial e a velocidade de recuperação são bastante heterogêneos entre os setores.
Ao contrário do pessimismo do Fundo Monetário Mundial, que revisou a projeção da recessão brasileira de -5,3% para -9,1% em 2020, o Banco Central, através do RTI, projeta uma queda de -6,4% para esse ano em razão do fraco desempenho da indústria, -8,5% do setor de serviços, -5,3%, com a agropecuária mais uma vez cumprindo o seu papel de segurar as pontas da economia, e com uma projeção de crescimento de 1,2%, repetindo praticamente os mesmos desempenhos de 2019 e 2020. No último relatório trimestral de inflação divulgado em março, a projeção para o PIB era de um crescimento zero, com o setor agropecuário crescendo 2,9%, a indústria recuando -0,5% e o setor de serviços estável em relação ao ano passado.
Para quem não sabe, em números relativos, o setor de serviços é o que tem mais peso na composição do PIB, sendo responsável por cerca de 70%; a indústria responde por cerca de 20%; e o setor agropecuário por cerca de 10%. Estes são os números pelo lado da oferta, da produção. Já pelo lado da demanda, do consumo, houve uma redução forte no consumo das famílias que passou de um aumento de 0,8% no RTI do primeiro trimestre para -7,4% nas projeções divulgadas no RTI do segundo trimestre. Já a projeção para o consumo do governo foi mantida em 0,2% , mas o consumo das empresas, também conhecido pelo nome de formação bruta de capital fixo, deve ter a maior retração da história e passou de -1,1% para -13,8%. Para as exportações estava previsto um crescimento de 0,9%, que passou para uma contração de -8,1%; e as importações, que deveriam crescer 0,6% pelas projeções de março, devem recuar -11,1%. Para o PIB mundial, a projeção do Banco Central também está mais otimista do que a do Fundo Monetário Internacional. Para os técnicos do Banco Central, o mundo deve encolher 3,8% e para os técnicos do FMI a retração mundial deve ficar em 4,9%.
O RTI mostra o impacto da covid-19 no balanço de pagamentos em função da desaceleração significativa do crescimento global e doméstico. Houve uma redução significativa para o deficit em Transações Correntes de -US$41,0 bilhões para -US$13,9 bilhões. O saldo da conta Transações Correntes representa o resultado de todos os negócios realizados pelo Brasil com o resto do mundo e engloba a Balança Comercial, a de Serviços, o pagamento e recebimento de lucros e dividendos e o Investimento Direto no País. Destaque para a melhora no saldo da balança comercial via redução drástica das importações e do resultado da renda primária, impactado pela redução da conta de lucros e dividendos. Houve ainda uma redução na projeção do Investimento Direto no País (IDP), que nada mais é do que o dinheiro estrangeiro que entra para comprar negócios no Brasil, a projeção passou de US$ 60 bilhões para US$ 55 bilhões, mas, apesar da redução, o volume de investimento Direto no País ainda é suficiente para financiar o deficit em Transações Correntes.
Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente.Essa é missão do Banco Central e, por isso, o RTI é tão importante, porque é através dele que o Banco Central analisa e informa a sociedade, ou no bom economês, os agentes econômicos do estado da economia e quais os prováveis cenários diante do que está posto. O controle da inflação através do cumprimento das metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional é a principal obrigação do Banco Central, que usa os instrumentos de política monetária, dentre eles, o principal, a gestão do nível da taxa de juros para conseguir cumprir sua missão.
Toda semana o Banco Central ouve os economistas chefes das instituições financeiras que operam no Brasil e coleta a projeção para os principais indicadores da economia brasileira através do Relatório de Mercado, Boletim Focus do BC e vai construindo e monitorando semanalmente essas expectativas e com base nelas e em outras variáveis traça as projeções centrais de inflação em diferentes cenários como podemos ver abaixo:
Resumo da ópera: considerando os diversos cenários, o Banco Central projeta uma inflação de no mínimo 1,9% e de no máximo 2,4% para 2020 e de no mínimo 3,0% a no máximo 3,2% para 2021. Em qualquer dos cenários para 2020 a inflação ficaria abaixo do piso da banda estabelecida que permite uma variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo em relação ao centro da meta estabelecido que é de 4%, o que levaria o Banco Central a ter que fazer a Carta Aberta endereçada ao Ministro da Economia só que, neste caso, o motivo é óbvio, a quase paralisação da atividade econômica em função da covid-19.
Entrem no site do Banco Central, adquiram o hábito de acompanhar a nossa autoridade monetária semanalmente, através do Boletim Focus, a cada 45 dias com a leitura da Ata da Reunião do Copom que define o nível da taxa de juros e a cada 3 meses através da leitura do RTI ou mesmo com a leitura só da apresentação do RTI. E bons negócios!
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
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