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O boato e o fato

Lula

Não existe nada mais certo no mercado do que o velho provérbio…sobe no boato, e, realiza no fato, ou, compre no boato e venda no fato. Desde a eleição de Joe Biden, no início de novembro do ano passado, uma verdadeira onda de otimismo gerada no mar da esperança de um pacote trilionário de ajuda nos EUA e da imunização global contra o covid-19, via vacinação, tomou conta de corações e mentes de investidores que se apressaram a tomar risco e dessa forma , precificaram nos mercados, antecipadamente , a volta da normalidade.

Tudo era expectativa e expectativa positiva. As bolsas pelo mundo bateram recordes sucessivos de altas , inclusive a B3, o petróleo e as commodities subiram , o dólar derreteu frente às principais moedas globais, dentre elas, o REAL. Na terça feira passada , diante do otimismo do mercado com a enxurrada de dólares que poderiam financiar a retomada da economia americana, em apenas um pregão, o dólar caiu praticamente 3%, saindo dos níveis de R$5,50 por dólar para R$5,30, e, na quinta, antes do anúncio do pacote de Biden, a moeda americana chegou na mínima da semana, valendo R$5,13.

Apesar da alta de quase 2% na sexta, a moeda americana encerrou a semana com uma desvalorização de 2,36%, e, o IBOVESPA que caiu 2,54% na sexta, ainda sobe 0,99% em janeiro.

A mudança de humor dos investidores e de sinal nas expectativas(de positivo para negativo) aconteceram a partir de quinta feira com o anúncio do Pacote de Biden , que antes de ser lançado, no terreno dos boatos, parecia ser muito maior e melhor do que a realidade apresentada no final da tarde, e, a falta de novidades diante do que já vinha sendo especulado, trouxe decepção, e , no mercado, realização de lucros , com queda nas bolsas e alta do dólar pelo mundo e aqui no Brasil alta também dos juros futuros.

A semana terminou com os investidores bem menos entusiasmados e com o pé mais próximo do chão da realidade da pandemia. A vacina existe e já está sendo aplicada mas a velocidade da imunização de rebanho e consequentemente da volta à normalidade é bem menor do que se imaginava por questões de disponibilidade de vacinas e ainda de logística capaz de acelerar o processo.

Aqui no Brasil , a trágica situação enfrentada pelo Estado do Amazonas e em especial, pela cidade de Manaus mostram o colapso do sistema de saúde amazonense diante da velocidade de contágio e do número de casos graves após a flexibilização da primeira onda.A piora dos números em todo o País mostra a força da segunda onda que também assola o continente Europeu e os Estados Unidos.

A expectativa pelo início da vacinação nos próximos dias, só cresce, e ,a logística que determinará a velocidade da imunização será crucial para a retomada da atividade econômica do País, e passará a ser um componente extremamente importante no comportamento do mercado financeiro.

Além do início da vacinação e do entendimento da velocidade da mesma, essa semana também será de muita importância para o comportamento das taxas de juros futuras e consequente da política monetária. Depois de muitos anos teremos uma reunião densa para não dizer tensa do Comitê de Política Monetária do Banco Central , que deve manter a taxa de juros inalterada em 2%a.a,. mas que pode retirar a prática do Forward Guidance, ou seja , as previsões futuras para o comportamento da taxa básica de juros , feitas pelo próprio Banco Central ,desde setembro, com o intuito de dar ainda mais transparência e previsibilidade para a sociedade em relação às ações do BC na determinação do nível dos juros no Brasil.

Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. O nome do bicho, neste caso, é inflação.Em 2020 , a partir de setembro tivemos uma escalada inflacionária comandada pelos grupos de alimentação e transporte que a princípio foi diagnosticada como um soluço passageiro, pelo próprio BC , mas que vem se mostrando resiliente e surpreendendo até os mais pessimistas.

Resumo da ópera , a inflação fechou o ano passado em 4,52%, a maior desde 2016 e ligeiramente acima da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, de 4,5%, e diante dessa escalada inflacionária nos últimos quatro meses o BC pode ter que cancelar ou melhor , retirar as suas previsões dadas através do Forward Guidance de manutenção dos juros em 2% a.a. até o final de 2021.

Não acredito em um aumento dos juros já nesta reunião que termina na quarta (20/01) mas fica difícil manter uma projeção de taxa estável em 2% até o final do ano já que o aumento de juros é o remédio mais potente para conter inflação. Parece que a aposta do BC é a de que com o fim do auxílio emergencial haverá uma queda na demanda e uma diminuição de pressão nos preços e, como consequência queda da inflação.

Diante da recessão econômica, o BC deve manter o que ele chama de estímulo monetário para a recuperação da economia, e que nada mais é do que os juros no menor nível possível para incentivar o investimento na produção e não em produtos financeiros, e, é bom lembrar também que quanto menor os juros , menor é o custo de carregamento da nossa dívida .

Um ponto percentual na taxa Selic representa uma economia de R$80 bilhões por ano para os cofres públicos. De fevereiro de 2019 até hoje , a taxa caiu 4 pontos e meio o que significa uma economia anual de mais de R$320 bilhões.

A queda e a manutenção dos juros baixos explicam a retomada da construção civil, do consumo em geral, da indústria automobilística e principalmente a capacidade que nossas grandes , médias e novas empresas estão tendo em se financiarem via colocação de ações junto aos investidores que crescem como nunca na B3.

A vacina está chegando e o BC deve manter os juros e dar sinais de que pode em um futuro próximo retirar o Forward Guidance ( acredito que na reunião de março)mas antes vai analisar o comportamento da inflação em janeiro e fevereiro porque o País precisa de manter o ritmo de retomada da economia real para recuperar o nível de emprego e renda que nós merecemos.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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