Na sexta-feira (26), o IBGE divulgou a inflação medida pelo IPCA-15, que é o primo primeiro do IPCA que mede a inflação oficial do Brasil. A diferença entre eles é o período de coleta de preços. O IPCA-15 coleta e mede o comportamento dos preços entre o dia 15 do mês anterior e o dia 15 do mês vigente, neste caso, de 15 de setembro a 15 de outubro, e, por isso mesmo é considerado como uma prévia do comportamento da inflação oficial medida pelo IPCA, que coleta os preços do primeiro ao último dia do mês de referência.
A prévia da inflação em outubro veio acima das projeções mais pessimistas e ficou em 0,92%, levando a inflação acumulada no ano para 2,31%, e, em 12 meses para 3,52%, é a maior inflação para um mês de outubro desde 1995. Confira o quadro abaixo:
A aceleração da alta dos preços em outubro foi provocada principalmente pelo grupo Alimentação e Bebidas com um impacto de 0,45 ponto percentual na inflação de 0,94%, isso mostra que apenas este grupo contribuiu por cerca de metade da inflação do mês. Em seguida, aparece o grupo de Transportes, contribuindo com 0,27 p.p.. A maior contribuição para a alta da inflação no grupo de Alimentação e Bebidas veio da alta das carnes que subiram pelo quinto mês consecutivo e, em média, 4,83% no mês de outubro, contribuindo com 0,13p.p. na composição do IPCA.
Destaque também para as altas do óleo de soja (22,34%), do arroz(18,48%), do tomate(14,25%) e do leite longa vida (4,26%). Já no grupo dos Transportes, a grande vilã da inflação foi a alta das passagens aéreas de 39,9%. O comportamento dos preços e esse suspiro inflacionário refletem o padrão de consumo da pandemia, ou seja, um maior consumo de alimentos com aumento de demanda em função de um volume maior de dinheiro em circulação, pelo pagamento do auxílio emergencial, aliado a uma menor oferta interna, dado o aumento das exportações, em especial, de milho e soja para a China, diante de um dólar mais apreciado.
No grupo de Transportes, a flexibilização social impulsionou o preço das passagens aéreas pela redução da oferta de voos provocada pela pandemia ,e, o aumento da demanda por trechos, sem a readequação imediata da malha aérea para o nível de oferta que havia antes da pandemia. Nos últimos feriados foi possível perceber nas estradas, nos aeroportos e no setor hoteleiro a retomada do turismo interno em níveis pré pandemia.
O quadro abaixo mostra o comportamento da inflação por grupos, e, a aceleração da alta de preços na comparação com setembro.
E para não dizer que não falei do câmbio, o Real, em 2020, já acumula uma desvalorização de 40% em relação ao dólar e pressiona a inflação. As commodities são mercadorias de consumo universal e por isso mesmo cotadas em dólar. As commodities agrícolas assim como o minério de ferro, por exemplo, estão subindo em dólar, dado o aumento da demanda global e principalmente da demanda chinesa por essas mercadorias, e, causando impacto nos preços das respectivas cadeias produtivas.
Essa alta do dólar e em dólares das commodities estimula as exportações brasileiras e diminui a oferta interna de milho e soja puxando os preços de seus derivados, do leite e das carnes. Na outra ponta, o aumento do preço do minério de ferro no mercado internacional puxa os preços da cadeia do minério e consequentemente do aço, impactando o custo da construção civil que tem se destacado na retomada da economia.
Os Índices Gerais de Preços, IGPs, calculados pela Fundação Getúlio Vargas, são compostos por 3 índices: o IPA, Índice de Preços ao Atacado, que responde por 60% na composição do índice, o IPC, Índice de Preços ao Consumidor, que responde por 30% na composição do índice e o INCC, Índice Nacional da Construção Civil com 10% de participação na composição geral dos IGPs.
A Fundação Getúlio Vargas calcula o IGP-M e o IGP-DI. Como o IPA e o INCC medem o comportamento de preços de matérias primas usadas na produção de outros bens, os IGPS captam muito mais a variação do dólar na composição dos preços da indústria. A inflação medida pelo IGP-M foi de 4,34% em setembro, acumula uma alta de 14,39% no acumulado de 2020 e de 17,93% em um ano. Já o IGP-DI apresentou uma inflação de 3,3% em setembro, 14,78% no acumulado do ano e 18,81% em 12 meses.
Juntando o tico do IPCA com o teco da alta do dólar podemos entender a diferença entre a inflação medida pelo IPCA e da medida pelos IGPs e concluir que se a taxa de câmbio persistir nos níveis atuais, em torno de R$5,60 e R$5,70 e, se insistir em subir, essa alta de preços que já foi incorporada nos preços dos insumos será repassada para o produto final e elevará a inflação que chega no bolso do consumidor.
Na terça e na quarta feira teremos mais uma Reunião do Copom , Comitê de Política Monetária do Banco Central, para decidir o nível da taxa básica de juros. Pela primeira vez, desde fevereiro de 2019 , quando foi iniciado o corte nos juros básicos da economia, a diretoria do Banco Central, que forma o COPOM, deverá ter uma reunião tensa em relação à discussão do nível atual das taxas de juros, 2%a.a., que não deve ser alterado, ao incômodo da aceleração dos níveis de inflação nos últimos meses e ao nível de correção do dólar (40,00%) este ano.
Pela leitura do último Relatório Trimestral de Inflação, pelas declarações do próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto e de seus diretores, a taxa básica de juros será mantida em 2,00% a.a., já que eles acreditam que essa alta dos preços é temporária, que o nível de atividade econômica, em especial, o setor de serviços ainda está baixo, que a capacidade ociosa da indústria também está alta e que o desemprego está muito elevado.
Concordo plenamente com todos os pontos elencados pelo BC para justificar a manutenção dos juros neste patamar, e, segundo o forward guidance do próprio Relatório Trimestral de Inflação, esta taxa poderá ser mantida até o final de 2021.Mas no meio do caminho existe uma desconfiança do mercado, em geral, com a capacidade do governo em conter gastos e focar na austeridade fiscal sem flertar com o populismo irresponsável em anos eleitorais.
O ministro Paulo Guedes e o presidente da câmara Rodrigo Maia se dizem empenhados em criar um calendário de votação de medidas que garantam essa tranquilidade fiscal para os próximos dois anos , e, na minha opinião , essa é a condição básica para que o dólar ceda e retome a taxa de equilíbrio em torno de R$5 a R$5,20, com o retorno dos investimentos estrangeiros atraídos pela volta da confiança e credibilidade no Brasil no curto, no médio e no longo prazo.
Que o tempo e os interesses políticos não prejudiquem mais ainda a economia. Que medidas sejam apresentadas e aprovadas para sanar a desconfiança no comportamento das contas públicas para que o ambiente econômico conquistado, de juros baixos e um dólar de equilíbrio (que anda desequilibrado) tão necessário para a atividade produtiva, geração de empregos e crescimento sustentável da economia, seja preservado e a vida da gente possa melhorar a cada dia.
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
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