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Selic a 2,25% a.a.: a descoberta do mercado de capitais

ano novo

O mercado financeiro pode ser entendido e dividido em mercado primário e mercado secundário quando olhamos sob a ótica da capitalização e da negociação dos títulos, e ainda em mercado monetário, mercado de crédito, mercado de câmbio e mercado de capitais quando olhamos sob a ótica do prazo e da finalidade dos recursos.

Então vamos lá.

O mercado primário é onde ocorre a capitalização de quem emite um título. Por exemplo: quando uma empresa precisa se capitalizar, ela emite e vende ações. A ação é a menor parcela do capital social de uma empresa e, ao comprar uma ação diretamente da empresa, o dinheiro vai para o caixa da mesma. A partir daí, você pode permanecer com suas ações ou pode querer negociá-las para ter de volta o capital investido. E é aí que surgem as corretoras, que, através de suas plataformas eletrônicas, acessam o pregão da B3, a Bolsa do Brasil.

O sistema eletrônico de negociações da B3 oferece o ambiente regulado para que as operações ocorram com a transparência na formação do preço e a segurança de que o que foi comprado será entregue ao comprador e que o resultado financeiro da venda será creditado ao vendedor. A intermediação entre compradores e vendedores é feita pelas corretoras de valores credenciadas na B3. As operações feitas em bolsa não direcionam o dinheiro para o caixa das empresas porque são feitas com ações já existentes, já emitidas pelas empresas e o que ocorre então é a troca de dono ou de titularidade. O investidor “A” vende para o investidor “B” que pode vender para “C” e assim sucessivamente . Nesse caso, estamos falando do mercado secundário, que é importante porque proporciona liquidez para quem quer vender um título adquirido no mercado primário ou no próprio mercado secundário.

E o que é liquidez e qual a importância da liquidez? Liquidez é a facilidade de conseguirmos transformar um ativo real ou financeiro em dinheiro, que é o ativo líquido. Com dinheiro você vai ao mercado e compra o que quiser, mas, se você tiver uma ação de uma empresa mal administrada e sem perspectiva de crescimento, essa ação provavelmente vai se desvalorizar e perder a liquidez, ou seja, vai ser difícil você arrumar compradores, vai ser difícil vender o papel, a não ser que você vá diminuindo o preço até achar quem queira correr o risco desta empresa. Resumo da ópera: liquidez não é água saindo da torneira, mas a capacidade de transformar qualquer coisa em dinheiro. E é no mercado secundário que isto acontece.

Espero que tenham entendido o conceito de mercado primário e a sua importância: CAPITALIZAÇÃO DO EMISSOR; e o de mercado secundário: FORMAÇÃO DE LIQUIDEZ. Assim, podemos seguir em frente.

A queda da Selic nos últimos anos – Foto: Reprodução

Vamos agora entender a outra divisão do mercado financeiro que é feita em função do prazo e da finalidade dos recursos transacionados em cada um dos mercados.

Mercado Monetário: as operações que ocorrem no mercado monetário são de curto ou curtíssimo prazo porque é nele que é feito o ajuste diário da liquidez do sistema financeiro e nele é formada a taxa Selic OVER (a Selic META é fixada nas reuniões do Copom) e a taxa do CDI do dia com as negociações que ocorrem entre as instituições financeiras e entre as instituições financeiras e o Tesouro Nacional. As empresas e famílias recorrem a este mercado para suprimento momentâneo de caixa já que as taxas praticadas para o crédito são as mais altas, como é o caso do Hot Money para as empresas e do cheque especial ou do cartão de crédito para as famílias.

Mercado de Crédito: as operações que ocorrem no mercado de crédito são de curto a médio prazo, já que a finalidade deste mercado é a de financiar o capital de giro das empresas e o consumo das famílias. É aquele dinheiro que faltou no ciclo produtivo da empresa ou que pode ser usado para a compra de um insumo em promoção, por exemplo, ou, no caso das famílias, é aquele dinheiro que cabe no salário para financiar a troca de um carro ou a compra de um computador de última geração. As taxas praticadas nesse mercado são menores do que as praticadas no financiamento de empresas e famílias no mercado monetário porque é possível fazer uma análise de crédito e as instituições criam linhas direcionadas, como é o caso do financiamento de automóveis e do empréstimo consignado, aonde as taxas são menores em razão da garantia do próprio bem ou do próprio salário.

Mercado de Câmbio: as operações que ocorrem no mercado de câmbio têm o prazo determinado pela troca de moeda nacional por estrangeira e vice-versa. Assim, podem ser realizadas a vista ou atreladas a um contrato de compra e venda entre famílias, empresas e governo brasileiros e famílias, empresas e governos estrangeiros. E nesse caso serão determinadas pelo prazo do contrato.

Mercado de capitais: até aqui falamos basicamente de compra e venda de dinheiro nos mercados monetário, de crédito e de câmbio. Agora, nós vamos falar de um mercado que a maioria das empresas e dos investidores brasileiros simplesmente desconhece, e que é, na minha opinião, o mais nobre dos mercados, aquele que financia a produção, a formação do PIB (a riqueza de um país): o mercado de capitais, no qual o prazo pode ser inclusive indeterminado quando você compra uma ação e vira sócio de uma companhia, uma S.A. de capital aberto.

A beleza deste mercado está no prazo mais longo e, como eu disse, até indeterminado, o que permite que as empresas invistam no seu crescimento com um custo de financiamento compatível para mudarem de tamanho sem quebrarem. É neste mercado também que as startups procuram o que é conhecido como o investidor anjo, aquele que enxerga potencial na novidade seja ela qual for e vira sócio da meninada criativa, como criativos foram Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckemberg, dentre inúmeros outros gênios que conseguiram dinheiro para financiar suas ideias que viraram projetos que viraram multinacionais da tecnologia. Mas isso só foi possível porque o investimento produtivo nunca sofreu, nos Estados Unidos e na maioria dos países desenvolvidos, a concorrência desleal da remuneração do mercado financeiro como foi o caso do Brasil sem Real (moeda fraca) e com Real (moeda forte).

O país era, até o impeachment da ex presidente Dilma Rousseff, o paraíso dos rentistas. Quem tinha dinheiro aplicava no mercado financeiro e ganhava mais dinheiro com a Selic a 14,25% a.a. O raciocínio era simples: para que eu vou montar um negócio, correr o risco do negócio, pagar uma das maiores cargas do planeta, sofrer fiscalização 24 horas por dia para ganhar de 5 a 7% a.a. se eu posso simplesmente comprar um título público e deixar que a sociedade brasileira garanta o pagamento da minha renda? E foi por isso que o dinheiro no Brasil nunca foi a consequência do trabalho, mas a causa de muitos males, como a contravenção e a corrupção. Porque, ao contrário dos países desenvolvidos, o trabalho aqui tinha menos valor do que o dinheiro, uma lógica perversa que impediu nosso crescimento, quebrou empresas e empobreceu as famílias durante décadas, pois transferiu sob a forma de juros toda a nossa capacidade de investimento e poupança para os lucros das instituições financeiras.

Volume de pontos da B3, a bolsa de valores do Brasil – Foto: Reprodução

Finalmente, chegou a hora e a vez do mercado de capitais. Com a Selic a 2,25% a.a., empresas e investidores se encontrarão nesse mercado e serão felizes correndo o risco corporativo no financiamento do crescimento sustentável do Brasil.

As empresas encontrarão o dinheiro no montante, no prazo e no custo justo para seus projetos e os investidores encontrarão a possibilidade de serem sócios e ou financiadores do crescimento do país através da compra de ações, de debêntures, notas promissórias e outros instrumentos concebidos tendo por base a produção de riquezas.

Passada a crise da Covid-19, e apesar da crise, nós brasileiros vamos nos surpreender a cada dia com o potencial de crescimento desse nosso país que viveu as últimas décadas sufocado pelas maiores taxas de juros do mundo.

Estamos virando a chave, saindo do país da agiotagem para o país da produção.

#VAMOSTRABALHAR!

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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