“Só quem sente na pele o que significa, sabe o porquê dos protestos”. Morador da cidade de Kissimmee, na Flórida, Evandro Maurício de Souza, de 42 anos, é belo-horizontino e vive há 20 anos nos EUA com a esposa e os cinco filhos. Pastor da Igreja Brasileira de Kissimmee, Evandro conta que há pouco mais de 10 dias, tem vivido momentos de tensão e incertezas no país. Tal sentimento de angústia advém da onda de protestos anti-racista que tomou conta dos estados após a morte de George Floyd, homem negro morto após uma abordagem policial.
Racismo
No dia 25 de maio, George Floyd, 40 anos, morador de Minnesota, teve o seu pescoço pressionado pelo joelho de um policial branco até não aguentar mais e vir a óbito. A cena foi gravada e o vídeo ganhou repercussão internacional levando a “#VidasNegrasImportam”. Nesta quarta-feira (4), a Promotoria de Minnesota acusou três policiais envolvidos na ação que resultou na morte de George Floyd como cúmplices no assassinato e também endureceu a acusação contra o agente que sufocou a vítima. O ex-policial Derek Chauvin passou a ser acusado de assassinato em segundo grau, cuja pena pode chegar a 40 anos de prisão. A repercussão da morte George Floyd ganhou força e volume como símbolo da luta contra o racismo.
“Mais de uma semana da morte de George Floyd, que foi repugnante, triste, indescritível e que chamou a atenção de todas as nações. Ele era um homem de bem que estava fazendo um trabalho extraordinário para a sociedade. Cristão, George trabalhava com os jovens e tinha como objetivo influenciá-los dizendo que Jesus é muito melhor e maior do que tudo que eles poderiam encontrar nas ruas. Assim, conseguia resgatá-los do abandono e das drogas. Estamos falando de uma pessoa que estava fazendo um bem muito grande pela sociedade ”, conta Evandro. De acordo com o pastor, George fez uma grande intervenção na cidade de Houston no Texa, onde esteve com diversas congregações e líderes religiosos.
Evandro afirma que este contexto fez com que explodisse os protestos, que começaram de forma pacífica nas ruas e hoje ganharam uma proporção agressiva e violenta. “Isso foi tomando forma e volume, outras classes começaram a adquirir a causa. Várias cidades aqui tiveram protestos que começaram pacíficos, mas que depois entraram alguns aproveitadores e começaram a quebrar lojas, saquear, depredar prédios públicos e policiais”.
Momento delicado
Em meio a pandemia do novo coronavírus, o belo-horizontino conta que os EUA estava retomando as atividades gradativamente após o controle da doença no território. Contudo, com o avanço da violência nos protestos, os estabelecimentos foram fechados novamente.
“Estão tentando aplacar a fúria de quem sente a dor da discriminação, seja ela racial, de orientação sexual ou religiosa, qualquer forma de preconceito é repugnante e inadmissível. Só quem sente na pele o que significa sabe o porquê dos protestos. No entanto, para fazer a sua voz ser ouvida acreditamos que podemos fazer isso de uma forma pacífica, sem violência, a exemplo do ícone pastor doutor Martin Luther King. Ele lutou contra a segregação racial na década de 60 sem pegar nenhuma arma”, relata.
Conforme apresentado por Evandro, também graduado em Teologia e mestre em Aconselhamento e Terapia de família, é necessário discutir sobre a chance de realizar uma reforma na polícia americana uma vez que, das 1999 mortes injustas causada por policiais em 2019, 300 correspondem a morte de pessoas negras. Atualmente, nos EUA, 14% da população é negra.
“É muito expressivo, uma porcentagem muito alta. Além dos casos de negros inocentes, que são abordados e são levados presos. Temos um exemplo de um jovem negro autista que foi morto após um policial o pedir para parar enquanto caminhava. Como ele tinha dificuldades de assimilar, não obedeceu a ordem e acabou morto.É uma situação horrível que acontece por toda nação”, esclarece Evandro.
Violência
Segundo o pastor, os protestos estão intensos também nas cidades vizinhas de Kissimmee. Ele conta que na cidade de Tampa, do lado de Orlando, lojas foram queimadas, quebradas e o caos foi instaurado.
“O clima que estamos vivendo é de tensão porque 90% dos americanos andam armados nas ruas e nos comércios, já que o armamento é legalizado. Essa semana, em uma cidade vizinha, durante os protestos, comerciantes saíram armados e ficaram protegendo as casas e as lojas”, lamenta.
De acordo com Evandro, um chefe de polícia da região chegou a ir em uma emissora de TV e pedir para que as pessoas comprem mais armas para se defenderem. “Como será feito essa defesa no meio de centenas de pessoas agitadas?”, pondera o pastor. Ele ainda comenta que a justiça americana agiu muito rápido e tomar uma decisão sólida para aplacar a fúria dos manifestantes.
Paz
Uma questão ressaltada por Evandro é a relação de alguns policiais no momento dos protestos. Segundo eles, em algumas cidades, quando as manifestações começam, os policiais de ajoelham e pedem perdão. “Os protestos existem e vão continuar. mas precisam ser pacíficos. A cena dos policiais se ajoelhando é muito forte e emocionante, eles chegam a se abraçarem e chorar. Isso aconteceu em Miami Date no sul da Flórida, por exemplo”, relata.
Evandro afirma que discursos racista, discriminatório e violentos produzem ainda mais ira e raiva nos manifestantes. “Nós sabemos que violência não pode ser tratada com violência, Jesus Cristo nos ensinou que não se vence o mal com o mal, se vence com o bem. Existem formas legais de lutar pelos seus direitos de forma pacífica. O amor sempre vence o ódio”, afirma Evandro.
Além disso, o pastor acredita que o melhor caminho para o momento é a conversação, diálogo e discutir ideias da discussão de ideias de paz e, com isso, conscientizar. Um fato está acontecendo e nós temos que lutar. A forma mais sábia é através da paz”, afirma Evandro.
Como membros da Igreja Brasileira de Kissimmee, Evandro realiza vários trabalhos para dar suporte aos brasileiros. Eles ajudam a encontrar uma casa para morarem, recebem doações de mobília para a residência, auxiliam na matrícula das crianças em escolas e ajudam também a tirarem carteira de motorista. Em alguns casos, o casal ainda auxilia na busca por um advogado para efetuar a troca de visto, se necessário.
“Nós seguimos com o nosso trabalho de ajudar as pessoas, principalmente os nossos patriotas. Cuidados da saúde mental das pessoas porque são muitos casos de depressão e síndrome do pânico, por exemplo. É um trabalho contínuo e diário, porém, gratificante”, desabafa.