A decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que definiu o rol com mais de 3,3 mil itens da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) como taxativo, ainda causava dúvidas ontem entre usuários dos planos de saúde. Na prática, as operadoras devem fornecer obrigatoriamente os tratamentos da lista, mas há possibilidade de adoção de outros procedimentos.
Segundo o STJ, pode haver cobertura fora do rol, desde que a incorporação da tecnologia demandada não tenha sido indeferida após análise técnica da ANS; haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como a Conitec e o Natjus). Sugere-se ainda, quando possível, que o magistrado consulte pessoas com expertise técnica na área da saúde.
“Não ficou claro quem atestaria a eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências, mas entendo que isso ficaria a cargo do médico que assiste o paciente”, diz o advogado Rafael Robba, especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados.
Na interpretação dele, bastaria que o médico fizesse um relatório técnico, declarasse que existe eficácia comprovada e anexasse estudos para comprovar isso. “O papel do médico ficou ainda mais importante. Ele deve auxiliar o paciente que pretende demandar um tratamento por via judicial e fornecer subsídios”, afirma Rafael Robba.
O advogado aconselha que os consumidores não se desesperem. “A decisão do STJ vai funcionar como uma jurisprudência, como algo que vai influenciar as decisões dos juízes, mas ela não tem o poder de revogar decisões já tomadas pelos magistrados, por exemplo. Os juízes continuam a ter autonomia para analisar os casos e até interpretar se a decisão do STJ se aplica ao caso específico”.
O novo entendimento pode facilitar a defesa dos planos de saúde nos casos em que o beneficiário solicite um tratamento fora do rol, sem ter uma justifica clara. “Além disso, a mensagem que o STJ transmitiu pode estimular as operadoras a negar mais tratamentos solicitados pelos beneficiários, antes mesmo da ação judicial”, acredita Rafael Robba. “A partir de agora, pode ser que as operadoras de saúde utilizem o rol como uma lista burocrática para negar ainda mais os tratamentos”, afirma.
Análise técnica
Ao mencionar a necessidade de que o tratamento em questão tenha sido recomendado por órgãos como a Conitec (que auxilia na análise de incorporação de procedimentos na rede pública) e o NatJus, o STJ valorizou o esforço de avaliação criteriosa das novas tecnologias de saúde. O NatJus foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para auxiliar os juízes a tomar decisões embasadas pelas evidências científicas quando precisam decidir sobre o fornecimento de medicamentos. Por meio de convênio com o CNJ, instituições como o Hospital Israelita Albert Einstein fazem avaliações técnicas.
O juiz federal Clenio Jair Schulze, professor da Escola de Magistratura Federal de Santa Catarina e pesquisador da judicialização da saúde, analisou o resultado de mais de 17 mil notas técnicas emitidas por essa ferramenta até o fim de março. Segundo ele, 45,9% das análises técnicas não eram favoráveis aos autores das demandas, por razões como falta de evidência científica de eficácia do produto. “Medicina baseada em evidências não significa uma opinião médica”, afirma. “Antes da decisão de ontem, bastava uma mera prescrição médica. Agora, o STJ sinaliza a necessidade de uma prova robusta”, destaca.
Como professor, Schulze participou de dezenas de cursos em tribunais brasileiros para orientar os juízes. “É fundamental que os magistrados usem essas ferramentas e considerem esses conceitos antes de decidir”, diz. “Muitas vezes os juízes concedem tratamentos que não têm evidência científica e o resultado não é o esperado para o cidadão. Há um dispêndio do recurso pela operadora (ou pelo SUS), sem que o resultado do tratamento seja razoável. Em última análise, é um dispêndio inútil. A conta será paga por todos os outros clientes do plano”, afirma.