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Um olho no peixe e o outro no gato

Lula

De onde virá o dinheiro para pagar os precatórios, a extensão do auxílio emergencial e a ampliação da base e do valor do benefício do novo programa de renda mínima é a novela campeã de audiência do canal Brasil. A cada dia surge uma novidade que consegue aumentar o nível de incerteza e colocar fogo no parquinho do mercado financeiro brasileiro. As fichas agora estão colocadas na votação da PEC dos precatórios que deveria ter ocorrido na semana passada, e que foi adiada para o dia 03/11.

Essa PEC parcela o pagamento dos precatórios e muda a base de cálculo do teto dos gastos abrindo uma folga de até R$96 bilhões no orçamento de 2022, e, assim acomodar todas essas despesas e ainda saciar a fome de deputados e senadores por emendas parlamentares. Como eu venho chamando a atenção aqui, a corrida para a eleição presidencial já começou e a oposição acredita que um programa social turbinado pode aumentar as chances de reeleição de Jair Bolsonaro.

O movimento das peças fica ainda mais imprevisível depois do lançamento, pelo PSD, da candidatura de Rodrigo Pacheco, presidente do senado, que está tentando se apresentar como a terceira via e vem engavetando tudo que chega para ser votado, como ocorreu com a própria Reforma do Imposto sobre a Renda que é a solução técnica apresentada como origem dos recursos destinados ao Programa Social.

A proposta de reforma do IR foi aprovada por grande maioria de votos na Câmara e literalmente engavetada pelo presidente do senado, que passou a defender a reforma tributária ampla. Tudo isso tem que ser decidido até o final de novembro, quando será paga a última parcela do auxílio emergencial e, no que diz respeito ao novo programa social, o martelo tem que ser batido até o final do ano, já que em ano de eleição é proibido alterar o benefício.

Em paralelo, o Banco Central se esforça no combate à inflação ao consumidor que anualizada já ultrapassou 10%. Na semana passada a autoridade monetária elevou a taxa básica de juros, a SELIC, em 1,5 ponto percentual, passando de 6,25% para 7,75%a.a., a sexta elevação consecutiva dos juros no Brasil. No comunicado que vem junto com a decisão do Comitê de Política Monetária, fica claro que outra alta da mesma magnitude ocorrerá na última reunião do ano, marcada para dezembro. O Banco Central deixa claro ainda que se for necessário, o aperto monetário poderá ser maior.

E por que eu estou falando tudo isso? Porque antes do impasse político da votação da reforma do Imposto sobre a Renda no senado, antes do novo impasse político na votação da PEC dos precatórios acrescida com o novo cálculo do Teto de gastos, a expectativa para a elevação da Taxa Básica de Juros, a Selic, era de 1 ponto, a expectativa para a inflação no final do ano estava em 8,5%, a taxa Selic para o final do ano estava estimada em 8,25%.

No dia 15/10/21, o Ibovespa, principal indicador de desempenho das empresas brasileiras negociadas na B3, estava em114.500 pontos, o dólar valia R$5,45 e os juros reais pagos pela NTN-B 2026 estavam 4,79%. Na sexta-feira, dia 29/10, 14 dias depois, o Ibovespa fechou em 103500 pontos (queda de 9,61%), o dólar em R$5,64(alta de 3,5%) e a taxa de juros da NTN-B em 5,55% (alta de 15,9%). Agora a expectativa para a elevação dos juros na próxima reunião do Copom é de no mínimo 1,5 ponto percentual, a expectativa para a inflação é de no mínimo 9.00%, e a taxa Selic deve terminar o ano em no mínimo 9,25%.

Perceberam como as decisões ou omissões políticas influenciam a economia? Essa falta de definição e ou de votação de reformas ou mudanças na constituição para atender as demandas da economia provocaram uma significativa e inoportuna piora na percepção do risco Brasil e provocaram no mercado a depreciação das nossas empresas (queda na bolsa), saída de recursos estrangeiros (alta no dólar) e a exigência de um pagamento de juros maior para a colocação e rolagem da nossa dívida (alta nos juros).

A novela ainda não terminou, mas infelizmente já assistimos a roteiros muito parecidos. Em nome do poder e pelo poder, os políticos que dizem nos representar, se apresentam e se representam na busca de seus interesses e de seus partidos e esquecem que a sociedade tem pressa em ver o país nos trilhos do crescimento sustentável.

 Essa disputa eleitoral precoce abastece o mercado com o combustível da especulação: as incertezas, e, torna mais difícil e custosa a missão do Banco Central no combate à inflação, em um momento que a autoridade monetária não pode errar a mão na alta dos juros para não frear em demasia a necessária recuperação da economia. Um olho no peixe (taxa de juros) e outro no gato(inflação) e na dosagem do remédio (alta nos juros) para que ele não vire veneno, e que a dose seja apenas a necessária para conter a inflação, mas sem interromper fortemente o ritmo da atividade econômica.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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