Economia é cidadania, mas também é geografia…Todos os anos, os integrantes do Federal Reserve, que é o Banco Central Americano, se reúnem na pacata cidadezinha Jackson Hole, situada no noroeste americano, no estado de Wyoming, e o mercado financeiro global acompanha atentamente tudo que é discutido e decidido por lá.
Como se trata de um simpósio que reúne os integrantes do Banco Central da maior economia do mundo o tema principal é a política monetária americana que, de certa forma, é o parâmetro da política monetária global. Em um período de pandemia, após a queda acentuada da atividade econômica e a adoção de medidas de estímulos monetários para a recuperação da economia, as decisões e discussões em Jackson Hole tornaram-se ainda mais relevantes para o futuro do comportamento dos mercados.
O evento mais importante do Simpósio foi o discurso do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que foi proferido na sexta-feira às 11 da manhã. Desde quinta-feira os mercados passaram a operar no “ponto morto”, no zero a zero, sem vontade de comprar e com medo de vender, no aguardo do posicionamento de Powell sobre a retirada de estímulos e o comportamento futuro dos juros nos EUA.
E agora eu tenho que compartilhar com os senhores dois termos que estão sendo usados com frequência no mercado e pelos economistas e analistas do mercado. Na política monetária americana são usados dois adjetivos para descrever a força das decisões em política monetária: Hawkish e Dovish. Você sabe o que é um discurso ou uma medida HAWKISH ou DOVISH? O adjetivo hawkish deriva do substantivo Hawk, que é nada mais nada menos do que um falcão, isso mesmo, a ave imponente, forte e guerreira. Já o adjetivo dovish vem do substantivo dove, que é nada mais nada menos do que um pombo, a ave da paz.
Assim, quando as decisões do Banco Central são fortes e agressivas no sentido de preservar a força da moeda, e a mais forte delas é a alta de juros, é dito que a postura do Banco Central foi hawkish, e, se o Banco Central toma decisões de manter os juros mais baixos e estímulos monetários para turbinar a atividade econômica, o que se diz é que a postura da autoridade monetária foi dovish, suave.
Em um momento delicado para a economia mundial que dá mostras de recuperação forte, mas ao mesmo tempo sofre com o fantasma da variante delta do Covid-19, o discurso e consequentemente a postura do Banco Central americano em relação aos juros e estímulos monetários era e é de extrema importância para o comportamento dos mercados globais.
A possibilidade de início da redução de estímulos monetários (injeção de recursos na economia) já era esperada na fala de Powell , mas diante da inflação que anualizada , até julho, já está em 5,4% para o consumidor, e, em 7,8% para o produtor americano, poderíamos ter uma indicação de alta de juros em um horizonte mais próximo, o que traria estresse para os mercados de renda variável e para os países emergentes já que uma alta de juros nos EUA redirecionaria parte dos recursos aplicados em bolsas e em países emergentes para aplicações nos títulos do tesouro americano causando queda nas bolsas, alta do dólar e dos juros em nível global.
Para a tranquilidade geral do mercado global, o discurso de Jerome Powell foi Dovish. Apesar de ter defendido o início das discussões sobre a retirada dos estímulos monetários (tapering) ainda esse ano, ele manteve a sua crença de que a inflação é passageira e de que os juros deverão permanecer nesses patamares o tempo suficiente para que a retomada da atividade econômica reconduza a maior economia do mundo ao pleno emprego. Powell disse ainda que é prematuro pensar em qualquer alteração nos níveis dos juros em um momento em que a variante delta do Covid-19 volta a acender uma luz amarela sobre o comportamento da economia.
Durante e depois da fala de Jerome Powell os mercados globais precificaram a política monetária americana dovish sinalizada no discurso e o que vimos foi uma alta generalizada das bolsas, queda do dólar e dos juros pelo mundo afora.
A partir de hoje, a sinalização da política monetária americana deixa de ser o foco no radar dos investidores que voltarão a acompanhar os indicadores econômicos, o comportamento da variante delta, o desenrolar da ocupação do Afeganistão e aqui no Brasil, nós continuaremos de olho na temperatura política e na capacidade de avanço da pauta econômica no Congresso.
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
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