Na semana passada, nós falamos da possibilidade da economia brasileira se recuperar em “J”. O formato das letras servem para ilustrar o estágio da economia antes da pandemia e a velocidade e intensidade da recuperação pós pandemia. O “V”, por exemplo, mostra uma queda rápida e profunda e o retorno para o estágio pré-pandemia com a mesma velocidade e intensidade. O “U” mostra um tempo maior para a retomada, o “W” seria uma letra propicia para ilustrar uma retomada com uma segunda onda da pandemia capaz de impactar novamente a atividade econômica com a mesma intensidade da primeira onda. O “L” seria a representação do pior cenário pós pandemia com a economia não se recuperando tão cedo. O “J” seria o melhor cenário mostrando que a atividade econômica retornará em um patamar superior ao que estava antes da pandemia, e o Brasil tem tudo para adotar esta letra na representação de sua recuperação.
Já temos os números de maio do emprego, da indústria e das vendas ao varejo, e é aí que o “J” começa a tomar forma na economia real. A indústria cresceu 7% na comparação com abril depois de ter caído 18,8% em abril na comparação com março (veja aqui!). A alta de maio interrompeu dois meses de resultados negativos consecutivos, mas, apesar da alta, a produção industrial brasileira encontra-se 34,1% abaixo do pico que foi registrado em maio de 2011 e a 21,2% do nível de março de 2020. Temos muito o que recuperar.
A indústria, em maio, voltou a crescer em todas as grandes categorias econômicas, com destaque para a alta de 92,5% em bens duráveis e 28,7% em bens de capital. O crescimento expressivo na produção de bens de capital é importante porque são os bens utilizados na produção de outros bens e serviços e por isso são um sinalizador da volta dos investimentos das empresas. Além do avanço em todas as grandes categorias econômicas, 20 dos 26 ramos pesquisados apresentaram crescimento. O crescimento expressivo da indústria em maio tem que ser entendido também sob a ótica da flexibilização do isolamento social que fechou grande parte da indústria durante o mês de abril tornando a base de comparação muito fraca, mas o que não deixa de ser o ponto de inflexão, de virada. Os números de junho serão muito importantes para a consolidação desse retorno em “J”.
O desempenho das vendas ao varejo, em maio, que foi divulgado pelo IBGE na quarta passada, trouxe euforia ao mercado que projetava números bem mais tímidos. Antes do anúncio, na média, a expectativa era de uma alta de 5,5% para as vendas do varejo restrito e de 7,5% para o varejo ampliado, que inclui veículos automotores e peças e a construção civil. O crescimento do varejo restrito foi de 13,9% e o do varejo ampliado de 19,6% (leia mais aqui!). Após a divulgação dos números, o índice Bovespa que operava em queda virou e atingiu a casa dos 99.900 pontos e acabou fechando em alta. Apesar de um mercado internacional mais tenso com o aumento dos casos de COVID-19 nos Estados Unidos, as ações de varejistas e construtoras sustentaram o desempenho da B3, a bolsa brasileira, praticamente na contramão das principais bolsas da Europa e dos E.U.A.. As bolsas asiáticas, em especial as bolsas chinesas, tiveram uma semana muito positiva em razão de bons dados da economia chinesa e do controle do vírus no continente asiático.
Na quinta feira, apesar de terminar o dia no negativo, o índice Bovespa voltou a ser sustentado pelo desempenho das ações de varejo que foram responsáveis pela marca dos 100.191 pontos atingida pelo índice no melhor momento do pregão daquele dia. Na sexta, o IBOVESPA voltou a fechar acima dos 100.000 pontos, o que não acontecia desde março. Enquanto o IBOVESPA acumula uma queda de 13,5% neste ano, até o fechamento do pregão de sexta (10/07), Magazine Luiza, Via Varejo (dona das Casas Bahia, Ponto Frio e Extra) e Submarino, as principais varejistas brasileiras que operam também o e-commerce, acumulam altas de mais de 50% no mesmo período.
Na outra ponta, o comportamento do dólar em relação ao Real vai perdendo força com a facilidade das grandes empresas brasileiras como Vale, Petrobrás e o próprio Tesouro Nacional captarem recursos no mercado internacional, e teremos neste segundo semestre o início do calendário de leilões de concessões e privatizações de estatais brasileiras. O ministro Paulo Guedes disse na semana passada que o governo brasileiro pretende privatizar 4 grandes empresas nos próximos 90 dias, o que na prática são indicativos de entrada de dólares no País e consequentemente de uma menor pressão no câmbio.
Na sexta feira, o IBGE divulgou os números do setor de serviços (veja completo aqui!): um recuo de 0,9% em relação a abril, muito abaixo do piso esperado de um crescimento de 3,0% já que em abril tivemos uma queda recorde de -11,9%. Esse recuo em maio mostra um aprofundamento de um cenário que já era desfavorável e nesse patamar o setor de serviços encontra-se 27,9% abaixo de seu recorde histórico, alcançado em novembro de 2014.
Mas os números também mostram um aumento de quase 5% nas atividades de transportes e de quase 15% nos serviços prestados às famílias que recuperaram em grande parte as perdas dos últimos meses. É bom lembrar que a maioria dos estados e de municípios intensificaram o relaxamento do isolamento social no final de junho e na primeira semana de julho e, por isso, acreditamos em surpresas positivas para o comportamento do setor de serviços nos próximos meses.
Apesar deste comportamento inesperado e mais fraco do setor de serviços, já conseguimos enxergar um quadro bem mais positivo do que esperávamos para o final do primeiro semestre, e, com a recuperação da indústria, das vendas ao varejo e com o anúncio feito pelo IBGE, na quarta passada, que a safra nacional de grãos deve bater novo recorde e chegar a 247,4 milhões de toneladas em 2020, com direito a show de eficiência e produtividade do agronegócio que sempre segura as pontas do Brasil nas crises e dá ao brasileiro uma segurança alimentar que poucos países do mundo tem.
Na safra recorde, destaque para a produção de trigo, 33% a mais do que em 2019, e do café arábica que deve ter um crescimento de 28,9% a mais de sacas produzidas do que no ano passado, graças, principalmente, ao bom período de chuvas em Minas no início do ano. Esse novo recorde de safra agrícola com um dólar mais apreciado vai fazer muito bem para o comportamento da balança comercial e para a economia do País contribuindo na diminuição da retração da economia.
E por que eu estou falando tudo isso? Porque abril foi o fundo do poço para a economia global e para a economia brasileira; porque o mercado está comprando e precificando crescimento futuro e levando o índice Bovespa para próximo de suas máximas históricas; porque o risco país que é medido pelo CDS (CREDIT DEFAULT SWAP) está nos níveis de março; porque estamos com a menor taxa de juros da história; porque temos uma taxa de câmbio que torna os nossos produtos mais competitivos no mercado internacional; porque temos um compromisso do congresso em votar a reforma tributária; porque temos uma equipe econômica preocupada em mitigar os efeitos da crise sanitária, mas, ao mesmo tempo, extremamente focada na volta aos trilhos do equilíbrio fiscal; e porque ,como diria minha Vó Ica, tudo passa… e esse vírus vai passar. E construiremos o nosso “J” em um país democrático, em um ambiente de economia de mercado, com os juros mais baixos da história, câmbio de equilíbrio, e, se o Congresso colaborar, com reformas tributária e administrativa justas e capazes de prover os impostos e contribuições necessários para alimentar a União, os estados e municípios dos recursos para a produção de bens e serviços coletivos (educação, segurança e saúde), com eficiência e transparência e sem asfixiar o setor produtivo.
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
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