Na tarde deste sábado (20), as Defesas Civis Estadual e Municipal, acompanhados de representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e da Vale, visitaram os moradores das localidades de São José de Brumadinho, Boa Vista e Una que estão próximos a áreas de risco da barragem Norte/Laranjeiras, em Barão de Cocais.
O senhor Miguel Antônio de Almeida, de 85 anos, morador de São José do Brumadinho há mais de 20 anos, é uma das pessoas que recebeu a orientação dos órgãos responsáveis sobre a importância de realizar a evacuação neste momento. O tenente-coronel da Defesa Civil Estadual, Flávio Godinho, apresentou ao morador e a família, a cartilha de “Realocação programada dos moradores da Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem Norte/Laranjeiras”, que contém informações da realização deste processo de evacuação.
Segundo Miguel, a sua propriedade estava à venda há muitos meses para a Vale, mas devido ao coronavírus a negociação ficou parada. “Estou esperando porque, sem solução, eu não vou entregar assim de mão beijada igual eles querem, tem que esperar”, diz.
“Veio a equipe da Vale, o problema é o papel que não veio. Eles tem que documentar para poder mexer. Estou esperando é a negociação. Agora, de graça, eu não saio assim sem nada não”, completa Miguel de Almeida.
Solange Leornada do Couto, esposa do senhor Miguel, conta que o maior medo da família é a água que pode vir da barragem Norte/Laranjeiras. Portanto, o que eles querem da Vale é uma conversa para que tudo possa fluir conforme o seu esposo deseja para que assim ele possa ficar mais tranquilo. De acordo com Solange, eles não vão se mudar para morar de aluguel.
“Meu esposo está preocupado com isso, ele nunca morou de aluguel. No aluguel, ele sabe que vai chegar e cuidar de uma coisa que não é dele. Toda a vida ele morou aqui e trabalhou. Ele quer sair, ele nunca falou com a Vale que não venderia, mas ele quer receber o valor digno. Ele não está querendo brigar com ninguém”, explica.
Solange também ressalta o receio de sair do local sem um acordo, deixando tudo para trás e não poder retornar. “Então ele vai ficar cuidando do que é dos outros e a cabeça dele aqui? Ele tem que sair para o lugar que é dele”, destaca.
Triste com a situação, Ariadna Soalheiro Soares Almeida, nora de senhor Miguel, explica que a mudança repentina para outro lugar, que não seja do sogro, não tem lógica. “Por exemplo, a gente planta, a gente tem a uva, a jabuticaba, aqui é um recanto para a gente. Então assim, você vai sair para um lugar que não é seu, é alugado. Como é que você vai cultivar esse lugar?”, questiona.
Um dos filhos do senhor Miguel, Délcio São Miguel Almeida Soares, relata emocionado o sentimento de tristeza que é deixar o lugar que a sua família construiu do zero. Conforme as suas memórias, o local era terra nua, com uma casa de quatro cômodos 2×2 feitos de adobe.
“A história inicial é a seguinte, a minha mãe veio olhar esse terreno e o que a fez gostar disso aqui, foi a pequena capelinha, onde imaginava o futuro dela, para fazer as orações por ser muito católica. Ela comprou esse terreno aqui há mais de 25 anos atrás, veio para cá, construiu e agora a gente vai ter que deixar. Essa é uma história que estão levando da gente sem ter direito de visitá-la. Uma memória que vai se apagar porque não vai estar escrita”, relembra.
Plano de ação para a evacuação
Na tarde de ontem (20), na Universidade Aberta do Brasil (UAB), em Barão de Cocais, autoridades estaduais e municipais se reuniram para elaborar o plano de ação para a evacuação dos moradores das localidades de São José de Brumadinho, Boa Vista e Una. Eles são residentes de áreas de risco próximas à barragem Norte/Laranjeiras, ligada à mina de Brucutu.
No início dessa semana, o prefeito de Barão de Cocais, Décio Santos, foi comunicado pela Vale que o nível de segurança da barragem foi elevado, de maneira preventiva, de 1 para 2. O motivo foi a demora na apresentação do estudo técnico sobre o surgimento de uma trinca, na ombreira esquerda da barragem. Segundo a Vale, a trinca já foi selada, mas ainda são necessários trabalhos de sondagem, geotecnia e engenharia para verificar o porque da formação dela.
Assim, os moradores do entorno da barragem precisarão ser evacuados. Para traçar a melhor forma de fazer isso, o tenente-coronel da Defesa Civil Estadual, Flávio Godinho comandou a elaboração do plano de ação. Ele explicou que foi necessário criar um ambiente propício para unificar os órgãos de defesa civil e de segurança de Barão de Cocais e São Gonçalo do Rio Abaixo. Portanto, participaram representantes das defesas civis, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros de ambos os municípios.
Além deles, representantes da Vale e do Ministério Público (PM) fizeram um acordo quanto às datas estipuladas para contato e remanejamentos dos moradores. “Nós trabalhamos com 10 famílias. No total são cerca de 35 pessoas, mas a cada busca que a Defesa Civil faz no local, esse número pode ser refinado e, inclusive, diminuir”, explicou tenente-coronel Flávio Godinho.
O tenente-coronel falou sobre a delicadeza na condução das operações de evacuação. Ele lembrou que retirar as pessoas das suas casas é ainda mais complicado por causa da sensação que elas tem de pertencimento com aquela terra. “A gente tem que respeitar isso, só que o maior bem que nós temos é a vida. A gente tem que oportunizar para essas pessoas que elas sejam tratadas de forma humanizada e dar para elas toda a segurança”, confirmou.
Ele destacou que, diferente do que aconteceu com os moradores de Socorro, próximo à barragem de Gongo Soco, dessa vez será possível a evacuação programada. “Em Socorro, fizemos um plano de ação em caráter de emergência. Precisou ser rápido pois Gongo Soco está em nível 3 e é uma barragem com método construtivo diferente da de Laranjeiras”, relembra.