A Vale distribuiu, na última terça-feira (1º), um e-mail comunicando a realização de uma reunião virtual com os moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, em Itabira, e que serão impactados pelas obras de descaracterização de diques do Sistema Pontal. O encontro está programado para acontecer nesta quarta-feira (2), às 18h, mas tem gerado descontentamento nas comunidades atingidas — que reclamam de falta de diálogo e de decisões unilaterais tomadas pela mineradora.
No e-mail, a Vale classifica o encontro como “um bate-papo virtual” e “roda de conversa” para apresentar “o projeto de descaracterização de estruturas construídas pelo método a montante do Sistema Pontal, do Complexo Itabira”. Também destacar que “será uma oportunidade para a comunidade esclarecer as dúvidas relativas ao processo que faz parte do Programa de Descaracterização de estruturas a montante da companhia, divulgado em 2019”.
As reclamações dos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, apresentadas pelo Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração, se devem ao fato de que a reunião foi marcada de maneira unilateral e às pressas pela mineradora — com a divulgação acontecendo um dia antes —, sem consultar as comunidades sobre o melhor dia e horário. Além disso, também causa incômodo a realização do encontro na véspera de um feriado, o que pode esvaziar as discussões.
“Consideramos que a reunião no formato proposto terá a mesma função da van que está circulando nos bairros Bela Vista e Nova Vista, apenas fazer marketing para a empresa, tentando criar uma imagem de abertura pro diálogo que nunca ocorreu e de evitar que informações concretas sobre as expulsões sejam dadas e também evitar questionamentos sobre o descumprimento da Lei Mar de Lama Nunca Mais e a violação de direitos que vem ocorrendo com os atingidos”, afirma Leonardo Ferreira Reis, representante do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração.
Outro ponto que desagradou a comunidade atingida é o modo como a Vale tem tratado a reunião. Para eles, o assunto é bastante sério, envolvendo, inclusive, a remoção de várias famílias dos seus lares, e não pode ser visto apenas como um “bate-papo” ou “roda de conversa”.
“Roda de conversa ideal é com nossos amigos e familiares, mas com a multinacional que já teve duas barragens rompidas por negligência, matando seus próprios trabalhadores e moradores vizinhos, que já expulsou várias comunidades em Itabira e está ameaçando expulsar milhares de pessoas para expandir seus negócios nós não fazemos roda de conversa. Nós fazemos reuniões sérias e organizadas, que sabemos previamente como ela será e quais documentos serão debatidos, o que não está acontecendo no evento organizado pela Vale pra tratar das obras na barragem do Pontal”, destaca Leonardo Ferreira.
Reunião via Ministérios Público
Na segunda-feira (31), o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração divulgou um ofício encaminhado ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com as pautas a serem tratadas em reunião com os promotores que vêm assistindo os moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, a ser realizada no dia 29 de junho. No documento, também é solicitado o agendamento de um encontro com a Vale, desde que observadas algumas exigências:
- MPMG como mediador da reunião, tanto no agendamento e preparação da infraestrutura quanto na condução do debate;
- a data e horário devem ser definidos entre os moradores da comunidade atingida e o MPMG;
- o encontro precisa seguir as normas sanitárias de enfrentamento à Covid-19;
- transmissão em vídeo da reunião, assim como disponibilização desse material para as instituições envolvidas;
- participação e tempo de fala igualitárias para todos os envolvidos.
Dessa forma, o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração considera que a reunião agendada pela Vale para esta quarta-feira descumpre todas as exigências apresentadas ao MPMG e não leva em consideração o interesse das comunidades que serão atingidas pelas obras no Sistema Pontal.
“Mais uma vez a empresa demonstra seu desrespeito e a violência com que trata os moradores de Itabira, por isso, consideramos que não fomos atendidos na reivindicação feita ao Ministério Público por uma reunião de esclarecimento sobre as obras de descaracterização da barragem do pontal. Exigimos que todas informações sejam enviadas com antecedência, que a reunião seja organizada com a participação dos atingidos e que seja mediada pelo Ministério Público, seguindo as condições estabelecidas no ofício entregue ao mesmo”, diz trecho de uma nota divulgada pelo Comitê dos Atingidos pela Mineração, na terça-feira, em resposta à reunião marcada pela Vale.
Prefeito de Itabira visita obras do Sistema Pontal
Na última quinta-feira (27), o prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB), esteve no Sistema Pontal, a convite da própria Vale, para conhecer as obras de descaracterização de diques e entender todo o projeto pretendido pela mineradora.
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Itabira, em release enviado para a imprensa, explicou que “a descaracterização no Complexo Pontal envolve os diques 2, 3, 4, 5, Minervino e o Cordão Nova Vista. Essas estruturas foram construídas pelo método a montante e devem ser desativados de acordo com a legislação federal”.
Também informa que “o processo deverá ser realizado em duas etapas. A primeira é a execução de atividades em áreas operacionais da própria Vale. O reforço do dique 2 já está concluído, e esse mesmo procedimento já é feito no dique 3 e será feito no 4, bem como a completa descaracterização do dique 5. Nesta mesma fase a mineradora pretende implantar uma contenção na região da Lagoa Coqueirinho, o que, segundo a companhia, reduziria consideravelmente a zona de autossalvamento no sentido da região do Laboreaux”.
E completa que “a segunda etapa da obra é estender toda a estrutura de contenção ao longo dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, os mais próximos de moradores nos bairros Nova Vista e Bela Vista. Esse passo, no entanto, ainda está em estudo e a previsão é de que, se autorizado, seja executado a partir de 2022”.
A Prefeitura de Itabira confirmou que a Vale está considerando “a remoção de pessoas e imóveis nesta localidade, mas o quantitativo ainda depende do resultado de avaliações”.
“Esta é a questão mais sensível de todo o processo. É importante ter esse conhecimento técnico, de que está sendo preparado o que há de mais moderno nesta obra que é uma determinação legal. Mas essas informações também precisam chegar à população, especialmente para aqueles que poderão ser impactados com o projeto. A remoção, seja no quantitativo que for, tem que ser feita preservando direitos e da maneira mais correta possível. É um impacto social que acompanharemos de perto, prestando todo auxílio necessário à população”, destacou o prefeito Marco Antônio Lage após a visita ao complexo da mineradora.
Também participaram da visita os secretários municipais de Obras, José Maciel Duarte Paiva, de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Denes Lott, e do assessor de Gestão, Programas e Metas, Gabriel Quintão. Além do deputado estadual Bernardo Mucida (PSB) e os vereadores Juber Madeira (PSDB) e Bernardo Rosa (Avante).
A comitiva foi recebida pelo gerente-executivo do Complexo Itabira, Daniel Daher, e pelo gerente de Relações Institucionais da Vale, Gustavo Biscassi. Ainda representaram a empresa o gerente executivo de Geotecnia, Igor Cicolani, e o especialista técnico em Uso Futuro e Fechamento de Minas, Rodrigo Chaves.
Em relação à reunião virtual com os moradores do Bela Vista e Nova Vista, a Prefeitura de Itabira afirmou, em nota, que “foi comunicada pela Vale sobre a reunião on-line com os moradores e convidada a participar. O município será representado no
encontro pelo secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Denes Lott”.
Além disso, destacou que dará todo apoio à comunidade em caso de possíveis remoções. “Desde quando foi informado das obras no Pontal, com possibilidade de remoções, o município tem cobrado da Vale informações precisas sobre essa situação”.
Câmara de Itabira acompanha a situação
O vereador e líder de governo na Câmara de Itabira, Juber Madeira, que tem base eleitoral na região do Campestre, vem acompanhando toda a situação envolvendo o Sistema Pontal. Para ele, o agendamento de uma reunião com a comunidade local é uma demonstração de que a mineradora está aberta ao diálogo, mas que é preciso rever alguns critérios para a marcação desse tipo de encontro. “Acredito que seja uma demonstração da mineradora com objetivo de estreitar ou fortalecer essa relação direta com a comunidade. Agora, no que pesa a questão de ser véspera de feriado, é algo que precisa ser repensado”, avaliou.
Ele também revelou que a empresa minerária reconhece que houve erro na comunicação envolvida no projeto de descaracterização de diques, mas que há uma vontade dela em melhorar o diálogo com a comunidade.
“A partir dessa visita, a Vale admitiu que se equivocou no processo de comunicação das etapas de descomissionamento. E quando uma empresa desse porte, que trata de uma obra tão importante e que impactará a vida de tantas pessoas, decide rever todo os seu processo de comunicação está dando um passo muito importante”, contou Juber Madeira.
Outro lado
A DeFato procurou a assessoria de comunicação da Vale abordando os pontos abordados pelo Comitê Popular de Atingidos pela Mineração. Porém, até o fechamento desta reportagem, a mineradora não retornou os questionamentos apresentados pela reportagem.
Leia na íntegra o e-mail da Vale convidando para a reunião de quarta-feira
Um bate-papo virtual com os moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, em Itabira-MG, acontecerá nesta quarta-feira (2/6), às 18h, para apresentação pela Vale do projeto de descaracterização de estruturas construídas pelo método a montante do Sistema Pontal, do Complexo Itabira. Além dos postos de atendimento itinerantes nas localidades, a roda de conversa será uma oportunidade para a comunidade esclarecer as dúvidas relativas ao processo que faz parte do Programa de Descaracterização de estruturas a montante da companhia, divulgado em 2019.
Leia na íntegra a nota do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração
Vale desrespeita acordo com Ministério Público e atingidos em Itabira-MG
Em reunião realizada, no dia 25 de maio de 2021, entre o Ministério Público de Minas Gerais, a CIMOS, o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região e moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, ficou acordado a necessidade de realizar uma reunião com a Vale S.A. para que esta supra a falta de informações sobre as obras de descaracterização na Barragem do Pontal. Estas obras ameaçam eliminar 368 imóveis neste bairro, expulsando centenas de famílias no processo!
Estabelecemos, em consenso, que o Comitê Popular encaminharia uma proposta de reunião, que foi enviada para o Ministério Público por ofício no dia 28 de maio de 2021, para garantir a participação da população na mesma e evitar que o direito à informação continuasse sendo violado. Fizemos a divulgação pública deste ofício ontem, mas fomos surpreendidos por uma peça publicitária da Vale S.A. anunciando a realização de uma reunião sobre o tema, desrespeitando o acordo com o Ministério Público e que sequer considera a proposta dos atingidos!
Na divulgação publicitária desta reunião está escrito que se trata uma ‘roda de conversa’ sobre o tema, mas não tem nada claro como será essa ‘conversa’… Sem contar que o agendamento da reunião foi feito sem nenhuma consulta, sendo marcada na noite anterior a um feriado e só foi divulgada em cima da hora para a população atingida. Um absurdo!
Mais uma vez a empresa demonstra seu desrespeito e a violência com que trata os moradores de Itabira, por isso, consideramos que não fomos atendidos na reivindicação feita ao Ministério Público por uma reunião de esclarecimento sobre as obras de descaracterização da barragem do pontal. Exigimos que todas informações sejam enviadas com antecedência, que a reunião seja organizada com a participação dos atingidos e que seja mediada pelo Ministério Público, seguindo as condições estabelecidas no ofício entregue ao mesmo. Queremos respeito e dignidade, não aceitaremos as chantagens e violências da empresa!
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