1989: a mais espetacular eleição presidencial de todos os tempos
Pleito foi o primeiro realizado de forma direta e reuniu grandes nomes da política brasileira
Eleição é festa. Deveria ser. A democracia justifica contínuas comemorações. Essa obviedade não rima com violência. A soberania das urnas revela a vontade da maioria do eleitorado. Um fato insofismável. E tem mais: é inaceitável os ataques pessoais num processo eleitoral. As discussões jamais deveriam ultrapassar os limites da retórica. As divergências entre pontos de vistas antagônicos são legítimas e naturais. O marco civilizatório, porém, indica que quem pensa diferente não é necessariamente inimigo. O respeito é a única moeda de troca num relacionamento social.
Fiz esse preâmbulo para mergulhar no túnel do tempo. O objetivo dessa viagem é revisitar a sucessão presidencial de 1989 – a primeira eleição direta, depois de 21 anos de governo militar. Um pleito emocionante, espetacular e civilizado. A disputa aconteceu um ano depois da promulgação da Constituição de 1988 – a mais moderna e completa da história do país. Esse detalhe cronológico é emblemático. O regime de exceção acabou em 1985. A eleição indireta de Tancredo Neves – no Colégio Eleitoral – colocou um ponto final na ditadura. O ex-governador mineiro adoeceu gravemente antes da posse. O vice-presidente José Sarney assumiu provisoriamente, em janeiro de 1985. E permaneceu definitivamente, após a morte de Tancredo, no mês de abril.
O maranhense Ribamar, porém, cumpriu um péssimo mandato. Quando desceu as rampas do Palácio do Planalto, o Brasil passava por grave crise socioeconômica. A população padecia com infração mensal de 80%. Esse fracasso impulsionou o desejo de mudança. O povo, portanto, estava ansioso por votar. As famosas urnas eletrônicas ainda não existiam. O dispositivo só apareceu em 1996. A disputa eleitoral de 1989 também apresentou um dado histórico bastante significativo: o número recorde de postulantes a inquilino do Palácio da Alvorada. Um total de 22 candidatos disputou a presidência da República.
O mosaico dos pretendentes era formado por pessoas dos mais diversos matizes ideológicos e sociais: liberais, socialistas, negro, mulher, religiosos, ativista ambiental, pobres e milionários. A batalha pelo poder se iniciou com inesperado exotismo: Fernando Collor de Mello – ex-governador de Alagoas – encantou o eleitorado com aquele velho discurso contra o velho. Levou todo mundo na conversa. Collor ameaçava acabar com os privilégios do corporativismo estatal. O falso outsider se apresentou como um “Caçador de Marajás”. A conversa era muito agressiva.
O homem tinha boa pinta (o tempo, como se vê, é implacável). Andava impecavelmente vestido, com os cabelos empastados de brilhantina. Era uma espécie de galã urbano ou a mais completa encarnação do mauricinho. Mas, em contrapartida, exalava arrogância. Esse inusitado “personagem hollywoodiano” disparou nas pesquisas. O período eleitoral foi marcado por imensos comícios – com direito a shows artísticos e espetáculos pirotécnicos. As ruas das grandes cidades foram invadidas por uma multidão de milhões de pessoas. Foi uma festa só. O embate eleitoral foi acirrado e repleto de fatos novos. O imponderável a todo instante alterava os rumos da disputa. Aqui, o mais incrível acontecimento.
A 30 dias das eleições, o apresentador Sílvio Santos subitamente decidiu entrar na briga. O mega star da televisão se filiou ao PMB e fez acordo com o pastor Armando Correia, o candidato da inexpressiva legenda. O religioso, então, abriu mão de sua candidatura e cedeu a vaga ao dono do SBT. A manobra provocou um terremoto. O homem do Baú subiu rapidamente nas pesquisas e colou em Collor de Mello. Fatalmente os dois disputariam o segundo turno. Aí o inesperado fez mais uma surpresa: algum gênio do maquiavelismo descobriu que o PMM tinha apenas registro provisório.
Consequência: o nanico e o “Peru Falante” foram impiedosamente alijados do processo eleitoral. Com isso, a carreira política de Sílvio morreu literalmente na praia. No segundo turno, Fernando Collor derrotou Lula da Silva e se transformou no mais jovem presidente da história do Brasil. Ele tinha 40 anos de idade. Mas foi uma decepção. O “Caçador de Marajás’ sofreu um processo de impeachment e deixou Brasília na metade do mandato.
Confira a relação dos candidatos a presidente na eleição de 1989:
Fernando Collor (PRN), Lula da Silva (PT), Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Guilherme Afif (PL), Ulysses Guimarães (PMDB), Roberto Freire (PCB), Aureliano Chaves (PFL), Ronaldo Caiado (PSD), Affonso Camargo (PTB), Enéas Carneiro (PRONA), José Marronzinho (PSP), Paulo Gontijo (PP), Zamir Ferreira (PCN), Lívia Abreu (PN), Eudes Matar (PLP), Fernando Gabeira (PV), Celso Brant (PMN), Antônio Pedreira (PPB), Manoel Horta (PDCdo B) e Armando Corrêa/Sílvio Santos (PMB). Em em meio a nanicos e folclóricos, havia grandes estrelas da política nacional. Um cardápio e tanto para o eleitorado tupiniquim.