2025: vem aí mais um recomeço
Hoje em dia, troco o sagrado pelo herege. É a minha opção mundana. Então, gosto muito mais de Réveillon que Natal
A celebração do Natal, até a segunda metade do século passado, era momento único. As coisas eram simples, porém, intensamente marcantes. Não havia as sofisticações de hoje em dia. A violência ainda não se transformara em banalização humana. A indústria cultural não passava de leve projeção futurista. Nem sua mais nociva consequência predominava na sociedade: o consumismo exacerbado.
Naquela época, prevaleciam o espírito de solidariedade e a onipresença de certo menino. Um ser pobre e frágil que nasceu numa manjedoura lá no Oriente Médio. Esse garoto se encontrava muito próximo de cada um de nós, embora distante, imaterial e inacessível. Mas, no final ano, ele tocava fundo a alma das pessoas.
A tradicional Missa do Galo — uma celebração impregnada de fé e misticismo — era aguardada com expectativa. As lembranças daquele momento solene jamais abandonaram o meu imaginário. O cenário permanece suave na memória. O cheiro forte e agradável do incenso se esparramava pelo interior da igreja setecentista. O som das campainhas era eventual chamamento à razão. E nós, crianças alheias à frieza da realidade, despertávamos de uma sonolência mórbida. A mistura de sons e aromas parecia oriunda do além.
O ofício religioso era longo e extenuante. As cantigas do coral ecoavam no interior da “Casa do Senhor”. Não dava para entender as mensagens que as peças musicais tentavam transmitir. Afinal, eram complexas de tão barrocas ou barrocas de tão complexas. Ainda assim, o modorrento ritual cristão fazia valer a pena o sacrifício da mais importante alegoria do catolicismo.
A potente voz do sacerdote partia da capela-mor, atravessava o arco-cruzeiro e se perdia no interior da nave. O silêncio era intenso e profundo, apenas entrecortado por eventuais bocejos. Todos os fiéis, compenetrados e exaustos, ouviam o prolixo discurso do “porta-voz” de Deus. A oratória era um misto de indolência com erudição. Os padres da década de 1960 eram especialistas em sermões litúrgicos. Gritavam demais. Esse detalhe pouco importava. E muito menos incomodava. Mesmo porque, os fiéis dormiam profundamente. Os imensos templos religiosos- frescos e misteriosos- são locais ideais para sacro cochilo.
Hoje em dia, troco o sagrado pelo herege. É a minha opção mundana. Então, gosto muito mais de Réveillon que Natal. A encenação do nascimento “Dele” não me faz bem. Soa tudo muito falso, vazio e sem sentido. O parto de Cristo é sinônimo de comércio. Nessa comemoração religiosa, vende-se tudo: o menino, o pai, a mãe, os reis visitantes, os bois e as vacas. Nem o capim da estrebaria escapa da gula mercantilista. Por tudo isso, prefiro as irreverências das viradas de ano. O profano sempre me encantou.
A vida não é um fenômeno estático. Tem início, meio e fim. Ou fim, meio e reinício. Ela (a vida) é o núcleo de um processo dinâmico e maravilhoso. Coerente com o meu ponto de vista, desejo-lhes um 2025 com a magia da fênix. Esse é o grande segredo dessa existência. Feliz recomeço!
P.S.1: as igrejas barrocas e o meu tempo de criança, em Ouro Preto, são a fonte de inspiração.
P.S.2: Silas Malafaia é “porta-voz” de Deus? Poupem-me, por favor.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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