Zeca Pagodinho, o jogo do bicho e o monopólio estatal sobre os jogos de azar

Proposta para que jogos de azar deixem de ser contravenção penal tramita no Congresso e reacende debate que já dura 80 anos no Brasil

Zeca Pagodinho, o jogo do bicho e o monopólio estatal sobre os jogos de azar
Foto: Divulgação/Facebook Zeca Pagodinho

Na última semana, uma entrevista do cantor Zeca Pagodinho à revista Veja Rio ganhou repercussão bem humorada em todo país. Em um dos trechos da conversa com a reportagem, o pagodeiro contou que é um apostador costumaz do jogo do bicho e que já chegou a ganhar R$ 10 mil de uma só vez, dinheiro que, segundo ele, é distribuído aos funcionários. Ao ser questionado, logo em seguida, se é a favor, então, da legalização dessa modalidade de aposta, Zeca emendou: “É ilegal?”.

Apesar do tom jocoso que a repercussão da entrevista ganhou, alimentando ainda mais a figura folclórica de Zeca Pagodinho, a fala do cantor ilustra bem um debate de quase oito décadas no Brasil: por que, afinal, os jogos de azar são proibidos? Qual a diferença do jogo do bicho que atrai o pagodeiro mais famoso do país para a Mega-Sena que te leva toda a semana às casas lotéricas?

Os jogos de azar ligados à iniciativa privada estão proibidos no Brasil desde 1941, a partir de um Decreto-Lei que instituiu a Lei de Contravenções Penais (LCP) no país. Desde então, a prática pode acarretar desde multas a prisão. O jogo do bicho é o mais famoso dentro dessa modalidade e o que mais está ligado à cultura do brasileiro. Movimenta um mercado gigantesco e emprega milhares de pessoas, mesmo que na informalidade. É tão comum que acaba provocando dúvidas como a de Zeca Pagodinho e obriga aos responsáveis alguns subterfúgios para manter a atividade. Ou você nunca ouviu no rádio o resultado de uma tal “corrida maluca”?.

Cálculos que baseiam a discussão sobre a liberação dos jogos de azar no Brasil apontam que as apostas movimentam, por ano, cerca de R$ 10 bilhões no país. A esmagadora parcela desse dinheiro – dois terços – é considerada ilegal. Uma cifra considerável e que não pode ser desprezada. Por que não legalizar essas apostas de forma que o governo também lucre com a iniciativa, em forma de impostos? Vale mesmo a pena o estado controlar e monopolizar as loterias e continuar se apoiando em um pensamento que já perdura 80 anos?

Em 2018, Las Vegas, considerada o paraíso dos cassinos no mundo, recebeu 42 milhões de turistas. No mesmo ano, o Brasil inteiro foi destino para 6,6 milhões de turistas (sete vezes menos!). Na América do Sul, somente o Equador nos acompanha na decisão de proibir e criminalizar as casas de jogos. Mas essa realidade poderá mudar se uma proposta em tramitação no Congresso for aprovada e sancionada pelo presidente.

A matéria em questão é uma emenda à Medida Provisória 923/2020, aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro, que regulariza a realização de sorteios de prêmios em redes nacionais de televisão aberta. A proposta, assinada pelo deputado João Carlos Bacelar Batista (Podemos), quer a revogação dos artigos 50 a 58 da LCP de 1941, todos relacionados a jogos de azar, sorteios, loterias e casas de apostas.

“A proibição aos jogos de azar no país é dirigida apenas à iniciativa privada. A Lei das Contravenções Penais proíbe os jogos de azar gerenciados pela iniciativa privada. Ou seja, na prática, o que se tem não é uma proibição do jogo no Brasil, mas sim um monopólio estatal do jogo. Talvez aqui tenhamos uma parte da explicação do motivo de não se abrir a legislação do jogo no país: o estado odeia a concorrência”, argumenta o autor da emenda.

As emendas à MP 923/20 irão a plenário primeiro na Câmara dos Deputados. A aprovação depende de maioria simples (metade mais um). Em caso de aceite, a proposta segue para o Senado, com a mesma dinâmica. Passadas as duas fases, segue para a sanção presidencial.

Claro que o processo não é tão simples assim. Haverá debates calorosos. Muita gente com argumentos favoráveis e outros contrários. Um dos pontos sempre colocado por quem não aceita a liberação dos jogos é o estímulo ao vício. Um argumento que deve ser levado em consideração, sem dúvidas, e que exigirá, em caso da autorização, medidas assertivas por parte do governo, que vão desde ações educacionais à uma rígida fiscalização.

Além do mais, o país não pode tomar decisões com base na privação da liberdade individual dos cidadãos. Bebidas alcoólicas também são viciantes e estão à disposição de qualquer pessoa. E o que dizer de toda aquela gente que gasta uma boa grana em casas lotéricas na expectativa de acertar as dezenas que quase nunca sairão?

A legalização dos jogos, se bem orientada e executada, pode abrir um novo mercado no Brasil, atrair turistas, aumentar a arrecadação federal e tirar da informalidade as milhares de pessoas que atuam com os jogos e hoje precisam se esconder das autoridades policiais.

O debate está na mesa e é o momento dos prós e contras serem colocados na arena. Fato é que a discussão precisa acontecer. E, sim, Zeca, o jogo do bicho é ilegal. Pelo menos até então. Quem sabe venha novidade por aí. Deixa a vida nos levar!

 

Gustavo Milânio é advogado e chefe de Gabinete do presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE)

As opiniões contidas neste espaço são de responsabilidade do autor da coluna e não necessariamente representam o posicionamento do Grupo DeFato.

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