Casos entre funcionários vão sensibilizar a Vale a ajudar Itabira na luta contra a Covid-19?
Mineradora, que não parou a produção em momento algum desde o início da pandemia, registra centenas de testes positivos entre trabalhadores
Nos últimos dias, a população de Itabira passou a assistir com certa preocupação o crescimento exponencial no número de casos positivos do novo coronavírus. Em pouco menos de duas semanas, a quantidade de pessoas infectadas subiu de 17 para 360, segundo o boletim divulgado nesse domingo, 31 de maio. Grande parte desse aumento expressivo está diretamente ligado aos testes realizados pela Vale entre os seus funcionários. A empresa parece ter se tornado o epicentro da doença no município, o que deveria ser motivo mais do que suficiente para que a mineradora contribuísse substancialmente nas ações de saúde do Poder Público. Será que haverá essa sensibilidade?
No fim de abril, escrevi aqui neste espaço sobre o “miserê” da Vale na ajuda ao combate à pandemia em Itabira. Naquele momento, a empresa havia doado ao Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD) alguns milhares de máscaras e equipamentos de proteção, como óculos e luvas. Depois, vieram outras remessas dos mesmos materiais. Mais nada além disso. O pedido da Secretaria Municipal de Saúde para contribuição na construção de novos leitos não teve resposta positiva, ao que consta.
Se naquela altura do campeonato o fato de a Vale ignorar o pedido de auxílio do município já era inacreditável, dado todo o histórico de exploração da empresa na cidade, agora, com as centenas de casos entre funcionários, essa atitude esbarra na surrealidade. Ao negar uma colaboração mais robusta para a retaguarda de saúde de Itabira, a companhia acaba negando um sistema mais preparado aos próprios trabalhadores.
Um fato importante é que, ao contrário de outros diversos setores da economia de Itabira, a Vale não interrompeu a sua produção por um segundo sequer desde que a pandemia foi declarada e houve os decretos de quarentena. Sustentada por uma declaração de atividade essencial, a empresa continuou com as operações praticamente intactas, como ela mesmo afirma em seu relatório do primeiro trimestre. Afastou funcionários do grupo de risco, colocou em home office quem podia colocar, mas as áreas operacionais continuaram em plena atividade.
Ônibus em movimentações constantes, rodoviárias internas cheias, quatro trocas de turnos por dia, minas gigantescas com circulação incessante de milhares de trabalhadores, refeitório, vestiários… por mais que diga que tem adotado medidas de prevenção, a própria Vale sabe que é impossível controlar a circulação de um vírus em um ambiente como o dela. Ainda mais se tratando de um organismo tão misterioso, capaz de infectar uma pessoa e não manifestar nenhum sintoma.
Por tudo isso, era de se esperar uma postura mais proativa da Vale no combate à Covid-19 em Itabira. Ao realizar a testagem em massa nos funcionários e não colaborar na outra ponta, da retaguarda de atendimento, a mineradora demonstra que não está preocupada com a saúde da cidade onde atua, mas que tão somente visa construir um cenário favorável para não ter de reduzir a operação por causa de trabalhadores doentes.
Nada de novo, você pode dizer. E eu até tendo a concordar que não surpreende. Mas a cobrança precisa existir. Em abril, questionei se o coração de ferro da Vale seria sensibilizado ao menos pela pandemia. Um mês depois, ele continua intacto. Agora, pior! Fechado até para quem o faz pulsar.
Gustavo Milânio é advogado e chefe de gabinete da Presidência do TCE/MG
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