Adota-se um velhinho
“Será que o processo de distanciamento social deve ser tão difícil assim para os idosos?”
Creio que muitos viram circulando pela internet vídeos de idosos que não estão gostando nem um pouco de ficar em casa confinados. Há filmagens de alguns tentando a todo custo fugir de suas residências, gravações de outros que conseguiram fugir mas foram flagrados por seus familiares, entre outras. Começaram inclusive a surgir entidades fantasiosas semelhantes ao bicho-papão, mas que agora não estão mais atrás de crianças, e sim desses velhinhos fujões. Li dias atrás alguém anunciando que estava oferecendo seu “velhinho” para adoção, porque já não aguentava mais.
Indo além do humor provocado por esses vídeos, há uma importante questão: como os idosos estão encarando esse período e como sua família está lidando com essa situação. Em minha atuação enquanto psicólogo hospitalar, presenciei diversos casos de idosos que não suportavam a hospitalização, que se revoltavam, e até tentavam fugir do hospital. Eles pertencem a uma geração que conheceu pouco o ócio. Em sua maioria trabalham desde cedo, acostumados a conseguir as coisas através de muito trabalho, seja este doméstico ou fora de casa. Como aguentar ficar dias e dias apenas deitado em um leito hospitalar, sem poder fazer nada?
Penso que em certo nível estar em quarentena assemelha-se a estar hospitalizado. Eles não podem sair para conversar com vizinhos, para comprar seus mantimentos ou outros itens, enfim, estão impossibilitados de fazer muito do que estavam habituados. Seu laço social foi bruscamente rompido. É verdade que hoje temos o artifício da tecnologia para entrar em contato com quem está longe, temos o WhatsApp, podemos fazer vídeo chamadas com uma só pessoa ou coletivamente. Mas hemos de convir que nem todo idoso está habituado a utilizar essas tecnologias ou passou pelo processo de acostumar-se a estas novas formas de laço que estamos vivenciando.
Será que o processo de distanciamento social deve ser tão difícil assim para os idosos? Não poderíamos encontrar artifícios para facilitar o período de convivência tão intensa, que sabemos que não vai durar para sempre? Assim como nos vídeos que circulam, o humor é sempre uma boa saída, mas penso que existem outras.
Cada um está passando por esse período complicado a sua maneira, com suas próprias dificuldades. Conviver diariamente com um “velhinho” teimoso não é nada fácil, mas é importante que tenhamos um pouco de empatia e paciência com eles. São pessoas que carregam anos de experiência e sabedoria consigo. Mesmo que seja uma situação nova e complicada para todos, eles têm muito a ensinar.
Arthur Kelles Andrade é psicólogo, mestrando em Estudos Psicanalíticos
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