Arrume tudo, mas não mexa em nada
“Algumas pessoas chegam a um psicólogo e querem que sua “casa” seja toda arrumada, mas com uma condição: sem que nada seja alterado”
Ouço frequentemente pessoas dizendo que querem muito fazer terapia, que estão precisando há tempos, mas que por algum motivo ainda não procuraram um psicólogo. Outras dizem que chegaram a fazer algumas sessões, mas sentiram que durante o atendimento alguma questão difícil foi tocada ou que não notaram diferença em um mês e resolveram sair. Há muitas razões para se buscar tratamento, e também há muitas para deixá-lo.
Ao iniciar um processo psicoterápico, nos deparamos com o fato de que lidar com nosso mundo interno exige esforço, demanda um trabalho constante. Esse trabalho não é só do lado do psicólogo: ele ocorre principalmente do lado da pessoa que busca atendimento psicológico. Seria muito fácil apertarmos um botão que resolvesse todos os nossos conflitos e que nos garantisse a felicidade eterna. No entanto, sabemos que a vida não funciona assim. Em relação à promessa da felicidade constante, deixo para desenvolver melhor em outro texto.
Imaginemos uma casa que está do mesmo jeito, intocada há décadas: os móveis estão ali, colocados na mesma disposição por anos. Como ninguém a reorganizou, ela está acumulando poeira, com cada vez mais teias de aranha, mofos, infiltrações… Não é possível ordená-la e limpá-la rapidamente, isto exige um trabalho árduo. Importante pontuar que vão existir alguns móveis que poderão, ao final do processo, serem limpos e remanejados em sua posição, outros serão substituídos, mas encontraremos outros que ficarão fixos em suas posições. Nem sempre é possível mudar tudo, recomeçar “do zero”.
Algumas pessoas chegam a um psicólogo e querem que sua “casa” seja toda arrumada, mas com uma condição: sem que nada seja alterado. Quando a gente mexe com nossos móveis internos, quando os tiramos do lugar, vemos o que estava escondido há tempos, respiramos o pó, vemos a sujeira que foi acumulando durante muito tempo. Claro que isso não é um processo prazeroso, envolve muito esforço e dedicação. Mas me pergunto, haveria outra forma para limpar e reorganizar uma casa?
Arthur Kelles Andrade é psicólogo, mestrando em Estudos Psicanalíticos
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