Do it yourself! Aos 70 anos, morador de Itabira toca seu próprio curso de inglês
Ex-funcionário da Vale, Sérgio Valentin dedica boa parte da sua vida ao segundo idioma
Existe uma espécie de lema, em inglês, que diz “Do it yourself”. O termo, cuja tradução soa como “faça você mesmo”, já foi utilizado em vários contextos e incentiva seus seguidores a tomarem a frente das situações e terem iniciativa. E é sob o prisma desta frase que contaremos a história do Sérgio Valentin, a mente por trás do curso de inglês “Sergio’s English”.
Ex-funcionário da Vale e morador de Itabira desde 1984, Sérgio Valentin teve uma carreira confortável e se aposentou em 1998, após 28 anos de empresa. No entanto, o homem de 70 anos, natural de Itaguaçu (ES), não se deu ao luxo de desfrutar uma aposentadoria pacata e sem transtornos.
A solidariedade e situações pessoais obrigaram o ex-telegrafista a recorrer ao inglês para salvar suas contas. Mas como um trabalhador da mineração muda radicalmente de área da noite pro dia? A resposta é simples: embora fosse telegrafista, Sérgio nunca deixou de estudar o inglês.
Na Vale, inclusive, ele se encarregava de conversar com engenheiros americanos que queriam construir laços com a empresa. Autodidata, Sérgio se debruçou em vários materiais estrangeiros, como livros e fascículos, para aprender a nova língua. No currículo do itaguaçuense ainda consta um curso de Letras, finalizado em 1990.
O começo como professor
Após concluir a graduação, nosso personagem passou a se dedicar mais profundamente ao ensino do inglês. O início foi em trabalhos voluntários: o primeiro se chamava Alvorada, enquanto o outro já se chamava “Sergio’s English” (o registro do nome só veio em 2004), ambos voltados a crianças carentes de Itabira. Em 2011, houve outro trabalho social, desta vez na Arfita, onde é diretor, que será explicado logo abaixo.
Este desejo em abraçar quem mais precisa não surgiu por acaso. Sérgio utilizou sua experiência pessoal para retribuir a outras pessoas o que recebeu durante a infância.
“Vim de uma família muito pobre. Meu pai morreu quando eu já tinha seis anos, minha mãe era lavadeira. Eu levava as roupas que minha mãe passava e lavava para uma senhora, que sempre me dava bolo, roupa. Então a gente ganhou muitas coisas, e quando você ganha muito, também tem que doar”, explica.
A intenção, segundo ele, era fazer com que as pessoas entendessem e transmitissem a mensagem.
“Você faz sem a intenção de ser reconhecido, porque quer que daquela turma formada saia um com a mesma ideia que você. Uma daquelas pessoas vai se tornar um professor, e naturalmente, vai lembrar do que ele ganhou e fará a mesma coisa. Se não for pra virar um professor, que continue compartilhando a mesma ideia de vida”, ressalta.
Inglês por necessidade
Mas não foi apenas o espírito solidário que encorajou o morador do Caminho Novo a se envolver com aulas de inglês. Em 2005, uma das filhas passou por um transplante de coração, e para arcar com todos os medicamentos necessários, o aposentado achou que poderia contar com um dinheiro a ser recebido pelo INSS. Porém, não só houve uma negativa, como o professor também teve que lutar para provar que havia se aposentado.
A solução foi aplicar cursos em sua própria casa, tendo que espalhar a novidade pelo bairro de boca em boca. Seis anos depois a pendência se resolveria, mas, àquela altura, o curso já supria o valor que deveria ter sido recebido.
Na Arfita, em 2011, foi criado o “Free Sec (Sergio’s English Course)”. O perfil dos estudantes? Crianças de 10 a 14 anos, que gostassem muito do inglês e cuja renda fosse baixa. Eram, aproximadamente, 15 delas. A associação disponibilizava espaço e xerox, enquanto os outros custos eram responsabilidade de Sérgio. O casamento, entretanto, durou cinco anos. Após alguns impasses, o docente decidiu dar suas aulas na própria casa.
No entanto, o Free Sec ficou para trás e deu lugar ao “Sergio’s English”. De cunho profissional, afinal, Sérgio também tem contas a pagar, o curso é realizado na residência do professor, no Caminho Novo, rua Itambé. Até o início da pandemia, ele continha 16 estudantes. Hoje, por conta do coronavírus, as aulas estão suspensas.
Além de ensinar um novo idioma a alunos que vão dos 14 aos 70 anos, o curso se tornou uma alternativa para que Sérgio preservasse a memória da mãe, falecida há cerca de dois meses.
“Tenho 70 anos e estou igual um menino novo, estava fazendo uma ginástica agorinha mesmo. Minha mãe morreu há uns dois meses e a gente continua do mesmo jeito. Ela gostava do projeto, falava ‘não para com isso não, isso é bom’. Então, é uma forma de manter a memória dela e me manter interessado na aprendizagem, porque o professor é um eterno aprendiz”, comenta.
O conteúdo lecionado por Sérgio se divide em três módulos: Departure (básico), Connection (intermediário) e Destination (conclusão). Cada um deles possui 80 aulas, que acumulam toda a experiência adquirida pelo professor em diferentes níveis de ensino.
“Meu curso é uma colcha de retalhos. Quais são os retalhos? A dificuldade que os alunos têm. Já dei aula em escolas particulares, escolas de idioma e escolas públicas, então fui pegando o método de cada um e montei meu próprio método. Ficou algo bem colorido, com tudo que o aluno precisa saber. Marlene Borges (com quem estudou e para quem deu aula, posteriormente) me falava: ‘nunca pense que o aluno sabe muito’. Por isso, vou dando cada vez mais conteúdo para ele aprender.”
Para o futuro, a expectativa é de que as aulas retornem o mais breve possível, mesmo que com turmas reduzidas. Afinal, a saudade do professor é grande, assim como a dos seus aprendizes.
“Acho que vamos seguir a mesma rota no futuro, está dando certo e em time que tá ganhando você não mexe. Vamos torcendo para Deus abençoar que essa vacina chegue logo e possamos voltar a trabalhar. Existem muitos alunos doidos para retornar, mas estão esperando o papai e o Ministério da Saúde liberarem”, finaliza.